O céu dos povos originários

O céu dos povos originários

14/10/2020 Off Por Equipe Tribuna

No nosso papo iniciado aqui, comentei sobre como a forma como vemos o céu noturno pode refletir nossa cultura e identidade. No entanto, a cultura estelar europeia se tornou a dominante e oficial através de séculos de imperialismo, contribuindo para o processo de apagamento dos povos subjugados. Felizmente, diversos trabalhos em atnoastronomia têm resgatado conhecimentos de povos originários ao redor do mundo que muitas vezes possuem registro apenas oral.

 

Hoje sabemos que a constelação do escorpião, que pode ser visto pelos dois hemisférios e, na Europa, representava o animal que matou Órion, representava para os Maori da Nova Zelândia o anzol que o deus Maui usou para trazer aquele território à superfície. Já para os indígenas da América do Sul que falavam tupi-guarani, representava a pata da constelação da Ema (Iandutim em tupi e Guirá Nhandu em guarani), ave que só existe por aqui. Para os aborígenes australianos, a constelação da Ema era a constelação do Emu, a segunda maior ave do mundo e parente da Ema, que é endêmica naquele país. Para compor o desenho da Ema (ou do Emu), utiliza-se também a via láctea como plumagem. Assim, cada povo significou aquele mesmo padrão de acordo com a sua cultura.

 

 

Os Tupi-Guarani identificavam uma constelação chamada Homem Velho, posicionada entre as constelações de Órion e de Touro.  Ela representa uma lenda onde um homem velho casou-se com uma índia mais nova que, por sua vez, se interessou pelo cunhado, também mais novo. Para ficar com o cunhado, a índia matou o homem velho, cortando-lhe a perna. Com pena, os deuses colocaram o homem velho no céu. Onde ficaria a perna cortada do homem, temos a estrela de Betelgeuse, com coloração bastante vermelha, representando o sangue. 

 

Nas duas primeiras semanas de junho, a Ema é completamente visível ao anoitecer, no leste do céu, indicando o início do inverno no Sul brasileiro e o início da seca no Norte. Já a constelação do homem velho fica inteiramente visível ao anoitecer na segunda quinzena de dezembro, indicando o início das chuvas no Norte e o verão no Sul. 

 

Os Tupi-Guaranis que viviam no Norte da América do Sul identificavam ainda a constelação da Anta do Norte, que “caminha” sobre a Via Láctea. Por esse motivo, a Via Láctea era chamada de “Caminho das Antas”. 

 

Portanto, assim como os europeus, os povos originários da América do Sul e Oceania representavam no céu suas lendas e crenças e o utilizavam para prever as estações do ano, auxiliando na sua vida cotidiana. Assim, friso: a história de nenhum território começou com a colonização europeia. Nossa história não é nem menos fascinante, nem fomos menos perspicazes antes da sua chegada. É imprescindível resgatar esses conhecimentos.


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