Se mataram o Vlado, vamos imortalizá-lo

Se mataram o Vlado, vamos imortalizá-lo

28/10/2020 Off Por Equipe Tribuna

por Antônio Soares

 

No último domingo (25), completou-se 45 anos do assassinato de Vladimir Herzog. O período que se seguiu à morte do jornalista marcou o crescimento de movimentos sociais contrários à ditadura, o que culminou na chamada abertura democrática na década seguinte. Vladimir e os acontecimentos relacionados ao seu homicídio devem estar sempre vivos em nossa memória.

 

Vida e obra

Vlado, como foi batizado originalmente e como ficou posteriormente conhecido por amigos, nasceu em 1937 no que é hoje a Croácia. Sua família, de origem judaica, imigra para São Paulo nos anos 1940 em decorrência do avanço do nazismo e da guerra. Durante a juventude no Brasil, Herzog participou de grupos de teatro, cursou Filosofia na USP, onde conheceu sua esposa Clarice, e passou a trabalhar como jornalista.

Vladimir e Clarice Herzog (Acervo Vladimir Herzog, AVHFOT0975)

Foi no início da década de 1960 que começou a se envolver com as atividades da Cinemateca Brasileira, chegando a fazer cursos de cinema e participando de um estágio no Instituto de Cinematografia da Universidade do Litoral (aquela universidade argentina, filha da reforma de Córdoba), dirigido pelo documentarista Fernando Birri, influenciador do trabalho de Vladimir.

Em 1963, como resultado do curso realizado pelo cineasta sueco Arne Sucksdorff no Brasil, é lançado o único filme da vida de Herzog: o curta documental Marimbás, que mostra o cotidiano de um grupo que sobrevivia da pesca em Copacabana. O filme possui diálogos com o documentário de caráter social que se desenvolvia na América Latina naquele período.

 

 

A atividade cinematográfica de Vlado conta também com sua participação como chefe de produção do média metragem Subterrâneos do Futebol (1965), dirigido por Maurice Capovilla, e na captação de som do filme  Viramundo (1965), de Geraldo Sarno. Ambas as produções foram viabilizadas pelo fotógrafo e produtor cinematográfico Thomaz Farkas e mais tarde, foram lançadas em conjunto com os filmes Memória do Cangaço (Paulo Gil Soares, 1965) e Nossa Escola de Samba (Manuel Horacio Gimenez, 1965), como a compilação Brasil Verdade (1968).

 

 

Logo após o casamento de Clarice e Vlado, em 1964, o Brasil sofre o golpe de Estado que instaura a ditadura empresarial-militar. No ano seguinte, o casal se muda para a Inglaterra, onde o jornalista passa a trabalhar para a BBC (British Broadcast Corporation), de Lonres e tem a oportunidade de estudar produção televisiva. Nas correspondências de Vlado, a volta para o Brasil surge como uma questão problemática. Já com dois filhos, ele e Clarice retornam ao país em 1969, imediatamente após o AI-5 por mera infelicidade.

Após uma breve passagem pela TV Universitária da UFPE, Vladimir Herzog se torna editor de cultura da crítica Visão, onde publica a antológica matéria A crise da cultura brasileira. Por fim, passa a chefiar a redação do jornal Hora da Notícia, da TV Cultura, que coloca em pautas temas populares, especialmente em reportagens do documentarista João Batista de Andrade.

Vladimir Herzog entrevista contemporânea da Guerra de Canudos (Acervo Vladimir Herzog, AVHFOT1225)

 

É junto com João Batista de Andrade que Herzog trabalha na adaptação cinematográfica do romance Doramundo, de Geraldo Ferraz. O filme é gravado após a morte de Vladimir, com direção do próprio Batista de Andrade, e lançado em 1978.

 

 

“Mataram o Vlado!”

O cenário político do ano de 1975 é marcado, dentre outras coisas, pela caça das forças repressivas do Estado ao Partido Comunista Brasileiro. Segundo Celso Miranda, “pelo menos 500 membros do partido foram identificados, 200 foram presos e pelo menos 14 morreram” só nos primeiros 7 meses do ano.

Vladimir Herzog, que era membro do partidão, é preso em meio a uma série de prisões ocorridas em outubro. No dia 25 de outubro de 1975, é assassinado em uma sessão de tortura no DOI-Codi. A versão oficial dizia que Herzog havia se suicidado. Clarice recebeu a notícia de um grupo de funcionários da TV Cultura, ao que teria retrucado: “Mataram o Vlado!”

Com a repercussão do ocorrido, estudantes da USP, da PUC e da FGV entram em greve. Em 31 de outubro, Dom Evaristo Arns, rabino Henry Sobel e reverendo James Wright tocam um ato ecumênico de homenagem a Vladimir Herzog. A cerimônia juntou 8 mil pessoas na Catedral da Sé e é tida como a primeira grande manifestação após o AI-5.

 

Charge de Henfil (disponível em: https://torturanuncamaispr.wordpress.com/2013/01/21/charges-sobre-a-ditadura-e-a-anistia/)

 

Vlado: 30 anos depois

Três décadas depois da morte de Vladimir Herzog, João Batista de Andrade realiza o documentário Vlado: 30 anos depois. Diz João Batista em sua fala que abre o filme: “Esse será um filme certamente de poucas imagens. […] não temos as imagens dos torturadores, não temos a imagem do medo, a imagem dos aparelhos de repressão. Nós temos, sim, as imagens dos nossos, as faces daqueles que nós perdemos, que foram perseguidos, torturados e mortos.”

 

 

Mais coisas feitas por Herzog podem ser encontradas no Acervo Vladimir Herzog.