Estudantes mobilizam-se contra cortes nas Universidades de São Carlos

Estudantes mobilizam-se contra cortes nas Universidades de São Carlos

19/12/2022 Off Por Editorial Tribuna São Carlense

No início de dezembro, o governo federal bloqueou por decreto o repasse de verbas que seriam destinadas às universidades públicas. O bloqueio atingiu programas de assistência e permanência estudantil e mais de 200 mil pesquisadores de pós-graduação ficaram sem pagamento. Entidades de pós-graduação e estudantes estão mobilizados para reverter o calote.

O calote no pagamento de bolsas anunciado pela Capes 

Na última terça-feira (6 de dezembro), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) publicou uma nota oficial declarando o contingenciamento do pagamento de mais de 200 mil bolsas de estudo. A medida prejudicou desde alunos de pós-graduação (mestrandos e doutorandos) a estudantes de medicina na etapa de residência em hospitais por todo o Brasil.

A CAPES informou que os pagamentos referentes ao mês de dezembro não seriam realizados devido ao Decreto n°11.269, de 30 de novembro, que zerou a autorização para desembolsos financeiros da agência. Foi retirada da entidade a capacidade de transferência de todo e qualquer valor, mesmo os previamente empenhados. Tal contingenciamento não afetou apenas o pagamento das bolsas, mas também a própria manutenção básica da entidade.

O bloqueio dos pagamentos de dezembro foi apenas o capítulo mais recente de um ano marcado por sucessivos cortes no orçamento da Educação pelo governo Bolsonaro. Segundo matéria do G1, no período entre Junho e fim de Novembro, o executivo bloqueou aproximadamente R$3 bilhões em despesas discricionárias (as que o governo pode ou não executar, de acordo com a previsão de receitas), inviabilizando o funcionamento de todas as universidades federais do Brasil. 

Segundo Octávio Motta, diretor da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e militante do Movimento por uma Universidade Popular (MUP), o contingenciamento e os cortes afetam diretamente as condições de vida dos pesquisadores de pós-graduação: “esses alunos dependem disso muitas vezes pra pagar aluguel, comer, no final do ano viajar para suas cidades, esse tipo de situação, então é completamente problemático. Em outras universidades, como eu falei da universidade federal daqui de São Carlos, ainda é mais problemático, porque o orçamento não só dá as bolsas, que é o pagamento pelo trabalho dos pós-graduandos, como também muitas vezes é o mesmo orçamento que paga trabalhadores terceirizados além de contas como água e luz das universidades.”

Os cortes nas universidades Federais e o impacto na política de Permanência Estudantil 

Segundo a Reitoria da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), foram bloqueados R$865 mil dos recursos disponíveis até janeiro de 2023. Já havia ocorrido um bloqueio da ordem de R$311 mil, no dia 28/11. Em nota publicada no dia 05/12 (segunda-feira), a universidade aponta que “o Governo Federal não liberou os recursos financeiros para o pagamento de suas despesas empenhadas, dentre elas as bolsas dos programas de assistência e permanência estudantil”, demonstrando que os cortes afetam a comunidade acadêmica de muitas formas. O termo “despesas empenhadas” se refere aos recursos que já haviam sido reservados pela universidade para o pagamento de determinadas competências. A nota da reitoria caracteriza as medidas como “inconsequentes”.

Dos cerca de 200 mil bolsistas que foram caloteados pela CAPES, 397 mestrandos/as e 552 doutorandos/as são pesquisadores/as da UFSCar e ficaram sem as bolsas. Conforme as regras institucionais da CAPES, nenhum/a bolsista pode ter vínculo empregatício ou outra forma de renda, para além do valor da bolsa. Com a atual situação, milhares de cientistas do nosso país estão à mercê de sua própria sorte, tendo o pagamento de suas contas comprometido e correndo o risco de não terem dinheiro para garantir sua segurança alimentar. Há relatos de pesquisadores que realizam parte das suas pesquisas fora do Brasil e que não tem previsão de como pagarão o aluguel.

Também foi informado pela Reitoria da UFSCar que, apesar do escasso recurso, conseguiram garantir o pagamento de 10% de todas bolsas, muito aquém do necessário. Para minimizar o impacto do bloqueio, a UFSCar fornecerá refeições gratuitas no Restaurante Universitário para pós-graduando/as que são bolsistas CAPES.

A reitoria da USP também tomou a medida de fornecer gratuidade nas refeições de seus restaurantes para os bolsistas que receberiam da CAPES. Entretanto, a medida, que foi aprovada na quarta-feira (7), entrou em vigor apenas dois dias depois no campus da USP de São Carlos.

Mesmo com o anúncio da devolutiva de valores e bolsas, ainda há dúvidas sobre a possibilidade de pagamento de bolsas relativas a permanência estudantil e pesquisa e dos pagamentos de empenhos já destinados para os primeiros meses de 2023.

As mobilizações na USP e na UFSCar 

Após a nota emitida da CAPES, oficializando o não pagamento das bolsas, o Centro Acadêmico Armando Salles de Oliveira (CAASO) e a Associação de Pós Graduandos (APG) da USP convocaram uma Assembleia Extraordinária no campus de São Carlos para o dia 07/12. Após deliberações da categoria, encaminhou-se uma paralisação de todos os pós-graduandos até o pagamento integral das bolsas de estudo, além de um ato para o dia 08/12 (quinta-feira) com concentração nas dependências do CAASO.

A manifestação somou esforços em uma mobilização de caráter nacional pela defesa da Ciência e Tecnologia desenvolvidas nas Universidades Públicas do Brasil. A concentração do ato começou às 16h e contou com falas de representantes discentes acerca das reivindicações dos mestrandos e doutorandos afetados, produção de cartazes com palavras de ordem e apoio de servidores da USP e professores presentes. 

A manifestação saiu às 17h em direção à praça XV de Novembro, realizando ações de panfletagem durante o trajeto para conscientizar a população são-carlense da importância das universidades públicas e seus pesquisadores para a soberania nacional e da precariedade do trabalho de desenvolvimento da ciência no país, ressaltando que os bolsistas não podem ter vínculos trabalhistas, não contam com reajuste há quase 10 anos, além de não terem direito a férias, décimo terceiro e INSS.

Na UFSCar, os estudantes de graduação começaram a se mobilizar contra os cortes que afetam diretamente a permanência estudantil na última terça-feira (06/12), através de reuniões de cursos e centros acadêmicos. Pesquisadores/as se somaram as mobilizações trazendo a pauta da ausência de bolsas. Conforme apontado por Marcelo Hayashi, presidente da Associação de Pós-Graduandos (APG) da UFSCar e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a pós-graduação se constitui enquanto um trabalho para o/a pesquisador/a, enquanto a bolsa é o salário pago pelo trabalho de pesquisa científica. 

Já na quarta-feira (07/12) convocaram mobilização contra os cortes com ações de paralisação das aulas na universidade. Marcelo também disse que a APG UFSCar, enquanto entidade representativa da categoria, se somou às manifestações para “fortalecer e fazer essa unidade de ação com as outras categorias da universidade” e ressaltou também a importância da construção coletiva da luta contra os bloqueios.

Na quinta-feira (08/12), discentes da graduação e pesquisadores da pós-graduação realizaram uma assembleia conjunta que deliberou por paralisar as atividades acadêmicas pelo menos até o dia 16/12 (sexta-feira). Há também um indicativo de greve por parte das duas categorias, que ressaltaram nas falas da assembleia a necessidade de se manterem mobilizados mesmo após o anúncio da liberação parcial de recursos e a possibilidade de desbloqueio das contas. Eles apontaram a necessidade de continuar ocupando o espaço universitário durante a paralisação e encaminharam um calendário de ações entre os dias 12 à 16 de dezembro. 

Aconteceu também um ato de rua na segunda-feira (12/12) contra os cortes realizados pelo Governo Federal. Estudantes e pesquisadores/as sairam da área norte da UFSCar em marcha pacífica até a Praça da XV, no centro da cidade. Manifestantes gritaram palavras de ordem como “não vai ter corte, vai ter luta!” e “tem grana pro banqueiro, tem grana pro patrão, tem grana pra milícia, mas não tem pra educação”, demonstrando que não aceitaram calados o que está havendo com suas condições de estudo, de trabalho e de vida.