Entre a democracia e a loucura

Entre a democracia e a loucura

16/12/2022 Off Por Colaborador/a

Por Tito Flávio Bellini

Assistimos nas últimas semanas uma série de manifestações no país, de diferentes tipos, mas fundamentalmente de uma mesma natureza: a tentativa de um golpe de Estado, que envolveria setores das Forças Armadas e do empresariado nacional, para impedir que o resultado das eleições presidenciais seja efetivado.

O ambiente instável, favorecido por uma retórica autoritária e golpista do atual “ex-presidente em exercício”, foi alimentado por uma gama de notícias falsas, sem fundamento legal e, até mesmo, racional.

As teorias de conspiração adquiriram uma magnitude impensável. Passando de uma falsa “auditoria” levada ao ar por um ex-assessor da família Bolsonaro e proprietário de diversos canais de notícias de direita nazi-fascista na Argentina, até outras, tão absurdas que mais se parecem com as famosas “trolagens” de adolescentes.  Infelizmente, a ignorância e o fanatismo religioso que tem impregnado a cultura política de amplos setores da população brasileira faz com que a ironia não seja mais reconhecida, transformando o absurdo em real.

Entre essas teorias, passamos pela “doença grave” que teria acometido Lula, gerando expectativas de que Alckmin assumisse a presidência. Depois da tristeza geral ao verem imagens de Lula bem, saudável e atuante, os adolescentes lançaram a teoria de que haveria um sósia de Lula, divulgando inclusive montagens, prontamente aceitas pela horda fanática, onde o “novo Lula” aparece com 5 dedos.

Observamos cenas como a comemoração da “prisão” de Alexandre de Morais (o que não ocorreu, é bom explicar), ou ainda a celebração de grupos irracionais em torno de caminhões do exército que transportavam provas do ENEM, como sendo uma movimentação de tropas em favor do golpe.

Tivemos o culto a “pneu”, “muro das lamentações”, “marcha soldado, cabeça de papel”, tudo tratado por setores da população como brincadeira e caricaturas. O mais famoso, talvez, seja o caso do fanático que grudou no caminhão e saiu pendurado pela rodovia. Algo que se enquadraria perfeitamente nas videocassetadas. O caso mais recente foi o pedido de SOS para generais extraterrestres através de código morse usando celulares!

Mas devemos estar atentos, pois esses movimentos não tem nada de caricaturas ou comédia. Pelo contrário, expressam a tragédia econômica, social, ética e moral na qual nos encontramos. Mostram a ideologia dominante em distintas vertentes: escravagista, colonialista, autoritária, entreguista, antinacional e anti-popular, mentirosa e canalha. Cuja expressão visual máxima pode ser encontrada em Santa Catarina, quando centenas de manifestantes fizeram saudação nazista em frente a um quartel.

O bloqueio de dezenas contas de empresários de transportes e de setores do agronegócio que financiaram grandes atos em capitais (com transporte, hospedagem e alimentação), apontam que a rede nazi-fascista é extensa, articulada e está contra o povo brasileiro.

Em Franca (SP), a horda nazi-fascista encontra eco, organização e estímulo, seja de pequenos e médios empresários, alguns famosos, outros nem tanto. Emprestam contas para depósito de pix, divulgam mentiras absurdas, visando continuar enganando a população humilde, exploram o sentimento de religiosidade em proveito do ódio e da destruição. São anti-cristãos, lobos em pele de cordeiro.

Cabe aqui um parêntese pessoal, de uma situação na qual fui personagem recentemente. Estava participando de uma atividade pacífica, defendendo a democracia em nosso país, ao lado de outras pessoas, no centro de Franca. Crianças nos acompanhavam brincando, correndo, divertindo-se. Uma fascista se aproximou das crianças, as acuou num canto, filmando ostensivamente seus rostos enquanto falava agressões contra seus pais. Ao ser interpelada sobre o motivo da gravação ilegal, saiu pela tangente. Não satisfeita, continuou filmando as crianças e, ao ser interpelada novamente, outro fascista iniciou ameaças e uma confusão foi desencadeada, gerando cenas tristes no centro de Franca. 

Os vídeos das crianças foram parar em grupos bolsonaristas radicalizados, de vários tipos e locais. Como era de se supor, expondo ilegalmente e de maneira sórdida estas imagens, visando uma autopromoção vil, esses “patriotas”, demonstram que não há escrúpulo ou humanidade por parte dos nazi-fascistas, defensores da ditadura militar e de torturadores. Era de se esperar e medidas legais estão sendo tomadas para resguardar nossas crianças. 

Meu pai já dizia, sabiamente, a partir da Bíblia, duas coisas basilares: conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Também dizia: a fé sem as obras é morta.

Nesse período de irracionalidade, tentam transformar mentiras em verdades, bem ao método do nazismo alemão, que afirmava que uma mentira contada repetidas vezes se tornava verdade. Tentam ainda manter a fé no ambiente fariseu da hipocrisia, onde a prática deixa de ser o critério da verdade e da afirmação da própria fé. Nesse conto de fadas, nesse mundo da fantasia, o fanatismo encontra campo fértil.

As tarefas dos democratas não serão fáceis no próximo ciclo. Restabelecer a verdade a partir dos únicos critérios possíveis, a ciência e a razão. Criminalizar, processar e prender os golpistas nazi-fascistas, que sabotam a economia, o Estado e a fé da população brasileira, também é algo a ser feito.

E a retomada das ruas pelo movimento popular organizando, levando arte, cultura, reflexão, solidariedade, ciência, fraternidade, poesia, afeto e esperança, serão tarefas do presente e do futuro, no caminho de uma verdadeira revolução social necessária.  

Que as crianças possam ser felizes, brincar nas praças, sorrir, ter vida digna, sem assédios e ameaças vis de fascistas de plantão. Lutaremos com toda energia por isso, como sempre lutamos.

Acabar com a desigualdade econômica, o fanatismo irracional e a exploração da classe trabalhadora. Sem isso, não teremos presente e o futuro será novamente tenebroso.

Tito Flávio Bellini é doutor em História e professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).