A luta de estudantes indígenas em São Carlos contra o desmonte da universidade e o Projeto de Lei 490/2007
19/08/2021Diversas forças da cidade de São Carlos, em conjunto com a onda de manifestações recentes, vêm atuando contra políticas de incentivo ao desmatamento e o desmonte da universidade pública. Entre as pautas nacionais, o movimento marca posição contra as propostas do PL 490/2007 que, entre outros retrocessos, restringe a demarcação de terras indígenas e institucionaliza o “marco temporal”.
Segundo Uara Pataxó, líder e coordenadora geral do Centro de Culturas Indígenas (CCI-UFSCar), “os meses de julho e agosto tem sido de grande luta para os povos originários e principalmente o mês de agosto que é marcado pelo reconhecimento dos povos indígenas” (leia aqui a entrevista completa).
Entre as demandas dos estudantes indígenas está a reabertura do Programa de Bolsa Permanência (PBP), do Ministério da Educação. A iniciativa foi criada em 2013 e pretende diminuir desigualdades sociais e etnico-raciais. Para isso, o programa visa distribuir bolsas para estudantes de graduação em instituições federais de ensino superior, especialmente indígenas e quilombolas. Entretanto, atualmente o sistema não está aberto a novas solicitações de bolsa.
Uma das mobilizações que marcou a luta por essas pautas foi um ato que ocorreu no dia 13 de julho deste ano. Ele contou com o Centro de Culturas Indígenas (CCI/UFSCar), que organizou a participação dos estudantes indígenas, além da presença de militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), da União da Juventude Rebelião (UJR) e do Coletivo Ambientalista Comunista (CAC).
De acordo com Gegê Pankararu, estudante do curso de Letras da UFSCar e integrante do Centro de Culturas Indígenas da universidade, a manifestação pautou também os ataques políticos vividos pelos povos indígenas nos últimos tempos. Entre as demandas da mobilização, o estudante enfatiza o “contra o PL 490, que restringe a demarcação de [terras de] povos indígenas, que estabelece o marco temporal e que ainda abre os territórios indígenas para a exploração”.
Contra PL 490/2007: luta indígena e questão ambiental
O projeto de Lei nº 490/2007 foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e seguirá para votação no plenário e depois no Senado. Se aprovado, altera os termos de demarcação de terras indígenas. Ele também propõe adotar o chamado “marco temporal”, que exige a presença física dos indígenas no dia 5 de outubro de 1988 como condição para demarcação das terras.
O PL traz ainda diversos retrocessos na política de não-contato dos povos que vivem em isolamento. Com apoio da bancada ruralista e de bolsonaristas, o texto tem ainda a pretensão de modificar a Constituição, no que diz respeito ao usufruto exclusivo dos povos indígenas em territórios demarcados.
De acordo com o Apelo Urgente, submetido à Organização das Nações Unidas (ONU) pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (ABIP) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), as propostas do PL e do substitutivo apresentado pelo relator Arthur Oliveira Maia (DEM-BA) possuem caráter inconstitucional.
“Uma vez que a Constituição Federal não pode ser modificada por lei ordinária federal, o PL n.º 490/2007 nasce com inconstitucionalidade formal. Ademais, os direitos dos povos indígenas constituem cláusula pétrea, de modo que sequer uma Proposta de Emenda à Constituição poderia propor as alterações contidas no projeto de lei.”, informa o documento.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) prevê julgar, no dia 25 de agosto, o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata das demarcações de terras indígenas. O RE teve repercussão geral reconhecida, o que significa que a decisão deste julgamento servirá como referência para todos os demais casos que envolvam terras indígenas no judiciário.
O caso em julgamento trata de um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng. O processo envolve uma área que já foi identificada como parte do território tradicional do povo Xokleng.
Para Uara Pataxó, a PL “visa anistiar grileiros e legalizar o roubo de terras” e “é uma medida de racismo e exclusão do Estado, no qual estipula um período que delimita aos indígenas o direito às terras que estivessem em sua posse após 1988.”
Impossibilidade de acesso à novas bolsas do Programa de Bolsa Permanência
O Programa de Bolsa Permanência é uma política pública, implementada pelo Ministério da Educação em 2013. O objetivo é conceder auxílio financeiro para permanência de estudantes de graduação em universidades federais. Desde 2006, o programa passou a conceder bolsas apenas a estes estudantes. No entanto, segundo Gegê Pankararu, desde o ano passado o MEC não abre o sistema para novas inscrições.
Atualmente, a pauta entrou novamente em disputa, devido a impossibilidade de requisitar o benefício para novos estudantes, desde 2020. Segundo Uara Pataxó, na UFSCar a demanda deve aumentar durante o segundo semestre de 2021.
“Cerca de 268 estudantes indígenas matriculados. 183 estão recebendo a bolsa permanência do MEC de 900 reais. 85 estão sem receber as bolsas.”
Uara Pataxó, liderança e coordenadora do CCI-UFSCar
A situação é agravada considerando que o MEC não vai oferecer bolsas aos alunos ingressantes em 2021. Uara conta que há a estimativa de entrada de 85 novos alunos indígenas em 2021, totalizando aproximadamente 170 estudantes sem bolsa.