São Carlos não parou, andou sobre duas rodas!

São Carlos não parou, andou sobre duas rodas!

23/12/2020 Off Por Equipe Tribuna

Mês passado, na sexta-feira 13 de clima tenebroso, que os córregos sobrecarregados de São Carlos conhecem como ninguém, os entregadores dos aplicativos se manifestaram.  Foi um grito exclamando: Estamos aqui! Exigimos respeito!

No viaduto penduraram duas faixas: “SÃO CARLOS NÃO PAROU, ANDOU SOBRE DUAS RODAS! COMBATENDO O COVID-19, FORÇA FAMÍLIA 016” e “PILOTANDO ENTRE A VIDA E A ENTREGA AO CONFORTO DE TODOS. QUEREMOS O RESPEITO E O APOIO DA NOSSA CIDADE. ESTAMOS UNIDOS E FORTES NESSA CAUSA! FAMÍLIA 016”.

 

Desafiados pelo pé d’água que arrasta carros, se refugiaram na bela gruta são carlense, a cachoeira cartão-postal da cidade, localizada no viaduto da Avenida São Carlos sobre a Avenida Trabalhador São Carlense. Como se fosse um pequeno paraíso natural no meio da cidade que sofre grandes consequências que  só a política urbana pautada pelos dos últimos mandatos pode garantir.: É aqui onde os viadutos alagam e o prefeito diz “eu não sou Deus”, quando lhe é pedido soluções para o problema histórico das enchentes na cidade. É rir pra não chorar!

Foto de Maurício Duch.

Lá estava Wallace, entregador há quase dois anos que falou com o Tribuna em nome da Família 016. Ele defende categoricamente que “somente se organizando é que os motoboys poderão conquistar o respeito que merecem e preparar melhoras nas condições de trabalho”.

Não é nada raro, relata Wallace, que eles fiquem até 12 horas sobre as duas rodas. Entre uma entrega e outra, não têm nenhum lugar apropriado para descansar, ir ao banheiro ou se abrigarem da chuva e do calor. Ao lado do mesmo viaduto que vira uma cascata quando chove,  há um estacionamento para caminhões, onde os motoboys que trabalham nessa região parte da cidade esperam o sinal do aplicativo indicando que há um cliente faminto. Mas ali não há luxo nenhum. O banco disponível para descansar é um toco de madeira – ou a própria moto!

Uma coisa extremamente simples de resolver – até mesmo para o prefeito que não é Deus – é a questão das faixas de pedestres. A inovadora tinta azul utilizada é tão inapropriada para o asfalto que o transforma em manteiga quando chove. O Ministério Público já se manifestou em 2016 e concluiu que o uso da tinta azul infringe o Código de Trânsito. Enquanto isso, tantos acidentes que poderiam ser evitados continuam ocorrendo, sobretudo com motociclistas, já que a aderência em duas rodas no asfalto é menor.

Há tempos em condições precárias de trabalho, os motoboys reclamam o mínimo de reconhecimento da população: “teve vez que falei bom dia 4 vezes pro cliente e ele nem olhou na minha cara”. Por outro lado, é verdade que nem todos faltam com respeito à categoria ,inclusive alguns são solidários o bastante para dar gorjetas. Mas a discriminação que os motoboys sofrem é diária. Agora eles se sentem ainda mais ignorados pela população e pelo poder público.

Durante a pandemia (que ainda segue a todo vapor), eles foram importantes agentes sanitários: garantiram que menos pessoas circulassem sem necessidade, logo, que o vírus se espalhasse um pouco menos. Como diz Wallace, a profissão que surge para a maioria como a única opção de sobrevivência se tornou um dos serviços essenciais. Os custos de uma estrutura para abrigo desses trabalhadores não seria nada exorbitante, mas claramente essa não é uma prioridade do prefeito ou das marcas de aplicativos.

Não bastasse tudo isso, o rendimento de muitos entregadores caiu desde o início da pandemia. Com o aumento das entregas por aplicativos, aumentou também a concorrência. Batendo recorde atrás de recorde, o desemprego galopante larga muitos trabalhadores à própria sorte. Alguns daqueles com uma moto disponível não encontraram nas entregas uma opção de trabalho: não se tratava de escolha, era isso ou arriscar o prato na mesa.

Nos pequenos horários de encontro e no grupo de zap, Wallace e seus companheiros estão organizando uma rede de solidariedade e confiantes que vão encontrar formas de melhorar a correria do trampo, ganhar respeito e a dignidade que merecem.


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