
O pedido de desculpas de Lula “ao povo da Itália”
05/05/2021Por Emerson Leal
Em 9 de abril passado soubemos que Lula – em entrevista à emissora italiana RAI – pediu desculpas “ao povo da Itália” por não ter extraditado Cesare Battisti no final de seu governo em 2010. E ele não o fez, “por acreditar que Battisti era inocente. E não era, pois ele confessou o crime!”, como disse Lula. Bom lembrar que o ex-guerrilheiro urbano da organização “Proletários Armados pelo Comunismo (PAC)” ficou quase 4 décadas fugindo da justiça, morando em vários países. Quando Bolsonaro se elegeu, Battisti fugiu do Brasil para o Paraguai e, lá, foi preso e extraditado para a Itália, onde cumpre prisão perpétua.
- Entendo que Lula se equivocou ao pedir desculpas “ao povo da Itália”. Resgatemos o seguinte: (a) a decisão do ex-presidente teve amparo legal no Art. 4º da Lei 9474/97, da Constituição Federal e da Convenção da ONU de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados; (b) Lula recebeu um abaixo-assinado de 400 escritores, professores, representantes de ONG’s e personalidades como Oscar Niemeyer, com o seguinte apelo: “[Não é justo extraditar Battisti, pois] o revanchismo punitivo com relação à década revolucionária dos anos 70, na Itália, não é democrático e é um retrocesso político”; (c) críticos do PAC diziam que este seria “um grupo terrorista, pateticamente empenhado em derrubar um Estado Democrático de Direito”.
- Essa última assertiva não se sustenta, como disse Toni Negri, filósofo italiano e Prof. da Universidade de Pádua: “A Itália vivia então um forte movimento de transformação e de rebelião contra um Estado de exceção, com detenções e prisões preventivas de milhares de pessoas”. Tanto é assim, que “o governo italiano nunca pediu ao Japão para extraditar membros de uma agremiação de extrema-direita que organizou uma série de atentados na Itália, que deixaram mortos e feridos”. Isso, na visão de Negri, revela “o caráter fascistoide” do governo, assim como as torturas de presos que pertenciam a organizações de esquerda e as 36 mil detenções, os 6 mil condenados e milhares de pessoas que fugiram para o exterior”.
- Assessores de Berlusconi, como lembra o Prof. Negri, insultaram Lula e o Brasil – por não ter extraditado Battisti –, dizendo que “O Brasil é uma nação de mulheres vagabundas e de juristas de faz-de-conta”. Battisti tinha apenas 20 anos quando membros do PAC organizaram alguns atentados contra verdugos do governo de exceção e contra traidores da organização, que entregaram à polícia alguns membros da mesma. Palavras, à época, do escritor e filósofo francês Bernard Lévy: “(…) Se Battisti for extraditado, terminará seus dias na prisão um homem, cujo crime foi ter acreditado, durante sua juventude, nas teorias da violência revolucionária”.
- Pergunto ao Lula: o que ele acha de José Genoíno, em sua juventude, ter participado da ‘violência revolucionária’ e lutado com as armas nas mãos contra o regime de arbítrio da ditadura militar, que prendeu, torturou, matou e fez desaparecer centenas de brasileiros que lutavam para devolver a democracia e a justiça ao Brasil? A direita chamava os guerrilheiros do Araguaia de “terroristas”. Imaginem se Genoíno tivesse caído nas mãos do psicopata e terrorista de Estado chamado Brilhante Ulstra. O que teria sido dele?
- Lula, não precisava pedir desculpas ‘ao povo da Itália’por motivos diplomáticos (nem Battisti nem Genoíno eram “terroristas”). Bastava ele dizer: “Não o extraditei porque não tinha todos os dados em minhas mãos”. E ponto final! Como sabemos, não adianta tentar convencer a direita de que quem luta (com armas nas mãos ou não) contra governos autocráticos e ditatoriais, não pode ser considerado “terrorista”. Em síntese, na realidade Lula pediu desculpas não ao povo da Itália, mas sim àquele governo de exceção e autocrático da Itália.
Emerson Leal foi vereador e vice prefeito de São Carlos nas administrações de Newton Lima e Oswaldo Barba. É colunista colaborador do Tribuna São Carlense.
Gostou dessa matéria? Contribua com o jornalismo popular na cidade: http://tribunasaocarlense.com.br/financiamento-coletivo/