Câmara impede participação popular em sessão ordinária e veta projeto de lei contra agrotóxicos

Câmara impede participação popular em sessão ordinária e veta projeto de lei contra agrotóxicos

01/10/2023 Off Por Editorial Tribuna São Carlense

Câmara Municipal de São Carlos distribuiu senhas limitadas e suspendeu a Tribuna Livre. A medida impediu acesso de parte da população à sessão ordinária da última terça-feira (26).

A Câmara Municipal de São Carlos distribuiu 70 senhas para acesso à 32ª Sessão Ordinária da última terça-feira (26/09). Nesta sessão ocorreu a votação dos vereadores sobre o veto de um projeto de lei contra pulverização aérea de agrotóxicos no município. A câmara já havia aprovado o projeto em sessão anterior, mas foi vetada pela Prefeitura, tornando necessário o voto ao veto por parte dos vereadores. Agricultores familiares e assentados/as mobilizaram-se para manifestação contra o veto dentro da Câmara, mas foram barrados ao tentarem ocupar o espaço.

Os terreiros da cidade marcaram para o mesmo dia uma manifestação contra violências que as comunidades religiosas de matriz africana sofrem. Entretanto, eles também foram impedidos de entrar no espaço. Na semana passada, o Recanto dos Orixás foi invadido e depredado, e uma carta anônima com ameaças foi deixada no local. Apenas funcionários de uma empresa de drones agrícolas interessada no veto conseguiram entrar na sessão.

A restrição baseou-se em alvará do Corpo de Bombeiros que estabelece a capacidade máxima do local em 96 pessoas. A câmara também suspendeu a Tribuna Livre, em que os cidadãos têm direito de manifestação sobre os temas tratados em sessão.

Distribuição de senhas

A distribuição de senhas para participação da sessão da Câmara Municipal foi uma medida inédita adotada na 32ª sessão ordinária. 70 senhas foram distribuídas antes da sessão, número estipulado de acordo com lotação máxima determinada pelo Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros nº 604759.

De acordo com a Guarda Civil Municipal (GCM), a distribuição das senhas começou às 14 horas, uma hora antes do início da sessão. Entretanto, para Vitor Camacho, assessor parlamentar do gabinete do vereador Djalma Nery (PSOL), testemunhas relataram que as senhas foram distribuídas entre uma e uma e meia da tarde.

O resultado da medida foi a participação apenas de funcionários e chefes de uma empresa de drones agrícolas interessada no veto do projeto de lei. A empresa chegou com mais de 100 funcionários por volta da uma hora da tarde e conseguiu garantir participação antes do horário. Vitor conclui: “O que nós presenciamos foi um favorecimento diante dessa aglomeração que se formou aqui, em torno de uma hora da tarde. Só essa empresa foi beneficiada com as senhas e posteriormente quando questionamos o por quê que seria feito isso, foi dito que as senhas seriam entregues às 14 horas, mas não foi o que os depoimentos de pessoas que estavam aqui no momento nos informaram.”

Assim, produtores de agricultura familiar prejudicados pela pulverização aérea de agrotóxicos e entidades ambientalistas foram impedidos de entrar na sessão durante a pauta do veto. O mesmo ocorreu com moradores do Recanto dos Orixás, que mobilizaram uma manifestação para o espaço da câmara para dar visibilidade à invasão e depredação dos terreiros e pressionar o poder público a tomar medidas. Vanessa, que faz parte de um dos terreiros de São Carlos, esclarece: “a gente sabe porque isso acontece. É capitalista, é o motivo do dinheiro. A gente simplesmente não vai ser ouvido, foi trocado o horário. Simplesmente não querem receber a gente e a gente não tem nem o direito de subir e ocupar um espaço que poderia ser ocupado porque ele já está sendo ocupado por outra pauta.”

A aprovação do veto por votação entre os vereadores ocorreu sem nenhuma pressão popular dentro da sessão. Ao fim da votação, os funcionários da empresa de drones desocuparam a plenária e os agricultores familiares e assentados puderam entrar no espaço. 

Suspensão da Tribuna Aberta

No início da sessão, o vereador Dé Alvim (SOLIDARIEDADE) propôs a suspensão da Tribuna Livre. A justificativa foi de que a empresa estava na Câmara há mais de duas horas e por isso seria necessário “fazer a votação o mais rápido possível”. Os vereadores votaram a proposta e ela foi aceita por 19 votos favoráveis e nenhum voto contrário. 

Vitor Camacho explica a função da Tribuna Livre: “é um mecanismo que está presente no regimento interno da Câmara em que associações do terceiro setor, entidades, ONGs e etc. podem requerer o uso da palavra por até dez minutos.” Segundo ele, houve mais uma organização que nesse dia foi prejudicada por essa suspensão: “uma Organização Não-Governamental, com a documentação certa, vinculada à proteção da fauna e flora e a criação de abelhas sem ferrão, fez o pedido de uso do plenário. E no entanto foi indeferido, não foi aceito esse pedido, mesmo constando todos os documentos em perfeito estado, em perfeita ordem regimental, e nós não entendemos.”

Para Marcelo, militante do Em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB em São Carlos (PCB-RR) e presidente da Associação de Pós-Graduandos (APG) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a falta de democracia na Câmara Municipal não é novidade: “a gente frequenta as sessões da câmara tem bastante tempo e a gente sabe que geralmente não é um espaço como os vereadores e as vereadoras gostam de colocar como a casa do povo.” E conclui: “O que aconteceu nessa terça-feira é um reflexo exacerbado dessa falta de espaço para a população e falta de espaço popular”.

Você pode conferir a 26ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal de São Carlos no vídeo disponível na plataforma Youtube.