Os trabalhadores e seu dia histórico

Os trabalhadores e seu dia histórico

01/05/2021 0 Por Equipe Tribuna

Em dias tão difíceis para o trabalhador brasileiro, em meio ao desemprego, informalidade, precarização e trabalho escravo, faz-se necessário lembrar como o feriado de 1° de maio surgiu e quem foram as pessoas que tornaram esta data um marco histórico da luta da classe trabalhadora.


Bem antes do 1° de maio ser considerado o Dia Internacional do Trabalhador, os operários australianos inauguraram uma longa trajetória fundada na luta pela jornada de oito horas de trabalho. No mês de maio de 1856 organizaram-se paralisações completas pelo país que tiveram grande impacto na população e decidiu-se repetir a ação todo ano. Em 1864, com a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, iniciou-se uma campanha internacional pela jornada de trabalho de oito horas como principal bandeira da classe trabalhadora mundial.

 

Os 5 de Chicago

No dia 1 de maio de 1886 estourou uma das maiores greves dos EUA, levando 300 mil trabalhadores a paralisarem suas atividades pela jornada de 8 horas de trabalho. No dia 3, durante uma manifestação dos grevistas da fábrica McCormick de Chicago sucede um confronto com os fura-greves contratados pela empresa. Os policiais, sem aviso algum, disparam a queima-roupa deixando seis mortos e dezenas de feridos. No dia 4 na praça Haymarket com mais de 20 mil manifestantes a polícia forjou um ataque com explosivo que matou um policial para justificar um massacre que deixou 38 grevistas mortos e mais de 200 feridos. O estado de sítio foi então declarado em Chicago e centenas de trabalhadores foram presos, espancados e torturados para que respondessem pela morte do policial.

Oito anarquistas foram culpados pela morte do policial. Albert Parsons, Adolph Fischer, George Engel, August Spies e Louis Lingg seriam condenados à forca apesar da inexistência de provas contra eles. Juntaram-se 100 mil assinaturas pedindo clemência aos dirigentes sindicais, dentro dos quais estavam desde o escritor inglês Oscar Wilde ao comunista Friedrich Engels. Os outros foram condenados à prisão perpétua até 1893, quando foram inocentados pelo governador de Illinois que confirmou ter sido o chefe da polícia quem organizou o atentado contra os policiais para justificar a repressão.

Diego Rivera, Manifestação de Primeiro de Maio em Moscou, 1956. Fonte: Sec. Ed. Paraná.

Depois de guerras e muita repressão, os trabalhadores europeus, em congresso na cidade de Paris, fundaram em 1889 a II Internacional dos Trabalhadores.  Entre outras resoluções do congresso, este determinou o 1° de maio como Dia Internacional dos Trabalhadores em homenagem aos cinco mártires de Chicago. Seria depois de 50 anos de luta que em 1940 a lei da jornada de oito horas se promulgaria para todo os EUA. No Brasil a primeira ação em coordenação internacional aconteceu em Porto Alegre no dia 1 de maio de 1892.

 

Brasil e seu 1° de Maio sangrento 

Em 1950, na cidade de Rio Grande, ao término das atividades do 1° de maio organizada pelo Partido Comunista Brasileiro, os militantes decidiram marchar até a sede da Sociedade União Operária para reivindicar a sua reabertura; o sindicato tinha sido proibido de funcionar pelo Ministério da Justiça em 1949. No trajeto montou-se uma emboscada nas ruas laterais com caminhões ao mando do delegado Evaldo Miranda do Departamento de Ordem Política e Social.

No confronto daquele dia foram mortos a tecelã Angelina Gonçalves, o portuário Honório Couto, o ferroviário Osvaldinho Correia, o pedreiro Euclides Cunha e as lideranças Osvaldino Dávila e Amabílio dos Santos; além de dezenas de feridos. Ao cortejo dos militantes comunistas assistiram mais de 5 mil pessoas.

Angelina Gonçalves, tecelã comunista assassinada pela polícia. Fonte: Memórias da ditadura.

A jornada de 8 horas e a nova organização trabalhista 

A classe trabalhadora lutou pela redução da jornada de trabalho para oito horas, assim seria possível que, além do trabalho produtivo que concede o sustento da família, o trabalhador tivesse o direito de dormir por aproximadamente oito horas e, ainda assim, restassem 8 horas para lazer, estudos, e o que fosse desejado. Mas a jornada de 8 horas foi planejada para que satisfizesse as necessidades de trabalhadores assalariados que dispunham de mão de obra feminina doméstica, fosse sua mãe, esposa ou irmã. O trabalho de cuidados, historicamente realizado por mulheres, inclui cozinhar para a família, limpar a casa, cuidar dos filhos, dos idosos, dos doentes, e todo tipo de trabalho doméstico invisibilizado e que tem papel fundamental na reprodução da classe operária.

Atualmente é pauta do movimento feminista a luta pela divisão igualitária das tarefas domésticas, entretanto, não é suficiente pensar esta reorganização somente dentro das famílias. Para acabar com a jornada de trabalho tripla das mulheres – trabalho produtivo, casa e filhos – é necessário que toda a estrutura trabalhista seja reformulada. Algumas famílias encontraram como solução contratar alguém que realize os serviços domésticos em seu lugar, porém, é raro que se pergunte quem cuida da casa e dos filhos desta trabalhadora doméstica assalariada. E esta não é uma solução ao alcance da maioria da sociedade brasileira. Assim como as formas de exploração da classe trabalhadora se renovam, as lutas também devem ganhar outros formatos.

 

Mais um feriado ou um dia de luta?

Em 1882 o Sindicato Central de Trabalhadores de Nova York declarou um feriado trabalhista e uma mobilização pela cidade, algo que se repetiria todo ano. A data escolhida foi o dia 5 de setembro para coincidir com a reunião da Federação dos Cavaleiros do Trabalho. Tanto o sindicato quanto sua federação nunca se solidarizaram com os grevistas de Chicago, nem repudiaram as execuções dos 5 trabalhadores.

No ano seguinte ao massacre de Chicago, o presidente Grover Cleveland se utilizou do feriado local para estabelecer o feriado nacional do Dia do Trabalho na primeira segunda de setembro; com o objetivo de evitar homenagens aos 5 mártires e inspirar novas greves. Apesar da data não ser modificada em outros países, o seu conteúdo sim foi alterado para os parâmetros estadunidenses: turismo doméstico, churrasco e esportes.

 

Um passado que parecia distante

Ao longo do século XX os trabalhadores conquistaram com muita luta seus direitos políticos, econômicos e sociais. No entanto, desde a virada do século até hoje, as promessas liberais de uma nova democracia e uma globalização econômica que traria abundância fracassaram rotundamente.

No ano passado, os 2.153 bilionários do mundo acumularam mais riqueza que o 60% da população mundial, informou a Oxfam. Na América Latina 20% da população concentra 83% da riqueza produzida. Enquanto isso, 66 milhões de latino-americanos vivem na extrema pobreza, segundo relatório da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe.

Já no Brasil, o IBGE com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2019, constatou que dos 105 milhões de trabalhadores, 41% deles trabalham sem carteira assinada; ou seja, sem nenhum dos seus direitos trabalhistas respeitados. E dada a estrutura econômica brasileira, de cada 10 empregos gerados 9 são informais. Somado a isso, chegamos hoje com a pandemia a 14,4 milhões de desempregados.

Ricardo Carpani, Desempregados. Fonte: MutualArt.

É uma realidade que a classe trabalhadora sofreu duras derrotas e muitas vezes foi enganada com o sonho do empreendedorismo. E hoje vê sua situação se agravar com a pandemia e por um governo genocida que colocou o lucro por cima da vida. Mesmo assim, os trabalhadores sempre souberam reverter situações difíceis ao longo da história, seja durante guerras mundiais ou golpes de estado. Nesta nova reconstrução da classe não comemoramos o trabalho, homenageamos os caídos e fazemos desse dia um combate constante por uma nova sociedade. E que o 1° de maio só deixará de ser um dia luta quando, como escreveu a militante comunista alemã Rosa Luxemburgo:

O “Dia dos Trabalhadores não foi deixado para trás. Enquanto a luta dos trabalhadores contra a burguesia e a dominação de classe continuar, enquanto todas as exigências não forem conseguidas, o Dia dos Trabalhadores será a expressão anual destas exigências. E quando melhores dias raiarem, quando a classe trabalhadora do mundo tiver ganho sua liberdade, então a humanidade provavelmente irá celebrar o Dia dos Trabalhadores em honra às mais amargas lutas e aos muitos sofrimentos do passado.” Fevereiro de 1894.