A luta antirracista e a supremacia racial dos Confederados de Sta. Bárbara d´Oeste e Americana
23/02/2021Após a guerra civil nos Estados Unidos, os derrotados racistas do sul vieram ao Brasil buscando manter seu estilo de vida escravista no final do século XIX. A colônia confederada de nossa região foi a única a nos legar uma festa que celebra a supremacia branca. O movimento negro vem lutando com protestos, denúncia no ministério público e um projeto de lei estadual que tramita na legislatura paulista.
Depois de quatro anos e 600 mil mortos a Guerra Civil Americana termina em 1865, com uma intervenção federal para garantir os direitos civis dos ex-escravizados nos estados do sul. Muitos ex-confederados não suportaram ver os afro-americanos terem terras, votar e serem considerados cidadãos e buscaram novos horizontes para seu racismo.
A vinda dos confederados ao Brasil
O Império brasileiro viu na destruição da guerra e na insatisfação sulista uma oportunidade para atrair novos colonos, plantar e exportar algodão no mercado europeu. A subvenção imperial consistia em descontos nas passagens, oferta de hospedagem, isenção de impostos na importação de pertences, instrumentos de trabalho, linhas telegráficas e aberturas de estradas. Algo que nem de perto receberam os brasileiros escravizados na pós abolição.
Os latifundiários sulistas, então, imigrariam para o México, Honduras e Venezuela, mas como nos conta Judith Jones, descendente dos Confederados, a “América do Sul foi escolhida por ser mais próxima e possuir a lendária e romântica aura de aventurar e, principalmente, por ser um dos últimos redutos da escravatura”, em seu livro de memórias Soldado Descansa!.
Dos 2.700 imigrantes que chegaram ao país em 1867, a maioria se concentrou no estado de São Paulo e aqueles que se dedicaram ao agro cultivaram algodão, cana-de-açúcar e melancia.
Refugiados de guerra ou imigrantes?
Durante algum tempo a historiografia discutiu o grau de responsabilidade dos imigrantes sulistas na guerra para manter, e inclusive expandir, a escravidão no oeste estadunidense. Com o tempo, vários documentos apareceram, como esta carta da jovem Pattie Steagall, recém chegada ao Rio de Janeiro em 1868 e à caminho de Sta. Bárbara d ́Oeste: “Foi meu dever explicar que não éramos imigrantes. Éramos refugiados de guerra”.
Ademais, todas as colônias instaladas no Brasil foram chefiadas por ex-oficiais do Exército Confederado: Coronel M. S. Swain no Paraná; Coronel Charles Grandson Gunther no Espírito Santo; Coronel William H. Norris em Sta. Bárbara – SP; Major Frank McMullan em lguape – SP; Major Warren Lansford Hastings no Pará. Também serviram no exército o Dr. James McFadden Gaston em Eldorado, e o reverendo Ballard Dunn em Juquiá, ambos no estado de São Paulo.
Sta. Bárbara dos Confederados Escravagistas
Em 1866 o Coronel William Norris e Robert Norris se estabelecem em Santa Bárbara quando compram a fazenda Machadinha. E pelas memórias, de Judith Jones, o Coronel pagou pelas terras com dólares-ouro e comprou escravos para a fazenda e serviços domésticos (Jones, 1998, pp. 46 e 150).
Diferentemente de outras colônias Confederadas, Sta. Bárbara não fez parte dos lugares oferecidos e financiados pelo Império e só teve sucesso por ficar perto de um mercado de escravos como Campinas, que contava com 43,59% de sua população de escravizados (Bassanezi, 1998). A agricultura mercantil justificava a escravidão e São Paulo foi a única província na qual a população cativa aumentou entre 1874 e 1884, enquanto que nas demais caíram (Conrad, 1975).
O sucesso inicial dos primeiros colonos ocorreu mais em virtude dos capitais trazidos ao Brasil, algumas boas lavouras de algodão e sua esperança na permanência escravista. Muitos daqueles que não retornaram aos EUA dirigiram-se a Santa Bárbara. O fracasso das demais é apontado pelo economista político Célio Silva em A imigração confederada para o Brasil : “O retorno para os EUA, tanto no caso da colônia de Gunther no Espírito Santo, quanto na de Hastings, no Pará, esteve vinculado à questão da ausência de mão de obra disponível e, principalmente, mão de obra escrava.”
Em 1875 foi inaugurada a Estação Ferroviária de Santa Bárbara e, próximo a ela, a futura cidade de Americana. Os imigrantes, por serem protestantes, estavam proibidos de enterrar os seus junto aos católicos, por este motivo, surgiu entre ambos municípios o cemitério americano aonde há 34 anos se comemora a “luta” pela supremacia branca.
A Festa Confederada e a luta anti racista
Desde 1986 a Fraternidade de Descendentes Americanos organiza uma festa que homenageia a Confederação dos Estados do Sul e sua guerra para manter um estilo de vida escravocrata através de suas bandeiras e uniformes do exército sulista.
O Tribuna entrevistou Claudia Monteiro, historiadora e representante da Unegro (União de Negros pela Igualdade) de Sta. Bárbara d´Oeste e Americana:
“O principal seminário deles é o Soldado Descansa! de Judith Jones. Monta-se um épico romantizado e o negro é visto como um ser bozal na trajetória do povo negro. Ela era chamada pelas escolas levando os uniformes; é um deseducar de nossos alunos. A simbologia é opressora. Uma coisa não resolvida para nós.”
Com o assassinato da ativista de direitos civis Heather Heyer por um supremacista branco e com o recém empossado Donald Trump na presidência dos EUA em 2017, não demoraria em chegar a St. Bárbara e Americana os protestos contra a festa confederada.
Denúncia e Projeto de Lei
Em novembro do ano passado, a deputada estadual Erica Malunguinho, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), apresentou na Defensoria Pública de São Paulo uma denúncia contra a festa confederada, por apologia a símbolos que representam grupos racistas.
Enquanto isso, a Unegro está “esperando a investigação e um repensar dos descendentes. Mas não posso ser ingênua, o que está em jogo é o dinheiro da festa, é uma luta contra o poder econômico. Temos feito o embate com a deputada e reunido o movimento negro da região para juntar forças”, explica Claudia Monteiro.
Também encontra-se em tramitação o PL 404/2020, de autoria da deputada Malunguinho, que proíbe homenagens a escravocratas e eventos históricos ligados a práticas escravistas.
Até agora a luta vem se unificando, como nos relatou Monteiro: “ficamos sabemos do PL contra o racismo e que questiona os monumentos. Nos encontramos com a deputada sobre a festa, entramos juntos na defensoria e agora está em processo de investigação. O PL pretende ampliar a memória histórica de quem faz apologia ao racismo.”
Como o racismo nunca foi uma relíquia de um passado distante, mas algo presente entre nós, reproduzindo-se através de filmes, séries e livros, o Tribuna São Carlense fará uma segunda entrega sobre o debate.
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