Família sofre discriminação pelo Conselho Tutelar de São Carlos
11/08/2020O Conselho Tutelar (CT) de São Carlos, interior de SP, fez sua primeira visita à casa de Indioepê Omin no dia 26 de junho. A visita foi encaminhada depois da denúncia anônima de maus tratos, abandono de menor, abuso de drogas e irregularidade da carteira de vacinação.
Na ocasião, Indioepê, dreadmaker e artesã, confirmou ter perdido as Carteiras de Vacinação (CV) devido a um incêndio que tomou a casa de sua família pouco tempo antes da pandemia. Não havia indícios de maus tratos, uso abusivo de drogas e abandono, como acusava a denúncia anônima.
A Conselheira responsável voltou novamente à casa da família no dia 29 de junho com medidas a serem seguidas pelos pais. As medidas geraram repercussão nas redes sociais por indicarem um caso de discriminação por parte do Conselho Tutelar.
O nome e sobrenome das crianças foram omitidos para segurança da família.
Acusações infundadas
Entre as medidas do CT estava a ida dos pais ao Centro de Assistência Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS AD) e Centro de Referência em Assistência Social (CREAS).
No entanto, o que mais causou repercussão nas redes sociais foi a recomendação do documento de que o casal não levasse os filhos a “festas reggae“, fazendo referência aos eventos de cultura africana, que contribui com a renda do casal há 10 anos.
Não se justifica no documento o por quê da proibição dos eventos reggae para crianças, o que identifica a incompreensão e discriminação por parte do CT da cultura africana. Indioepê afirmou em contato com a equipe do Tribuna São Carlense, levar os filhos apenas em eventos diurnos e seguros.
Também disse perceber inconsistências no documento que continha as medidas, redigido pela conselheira responsável pelo caso: “Ela falou que a gente admitiu que fumava maconha diariamente na presença dos nossos filhos, coisa que a gente nunca falou. Ela disse que a minha casa pegou fogo há mais de um ano e que a gente não arrumou a carteira de vacinação porque não quis”.
A acusação de que o incêndio teria ocorrido há mais de um ano foi desmentida por laudo dos Bombeiros que provou ter sido em fevereiro deste ano.
Indioepê também demonstrou indignação com a acusação de dependência química: “Como que ela me achou drogada? Por que eu tô indo pro acompanhamento psíquico-social? Se eu pago minhas contas, trabalho, moro num condomínio fechado.”
O Conselho Tutelar seguiu cobrando a regularização das carteiras de vacinação.
Mandado do Ministério Público
O problema se agravou no dia 24 de julho, quando a família recebeu um mandado do Ministério Público exigindo a regularização da Carteira de Vacinação no prazo de 5 dias.
A ação do MP causou espanto nos pais e amigos, que apoiaram a família na sua página no Facebook “Família de Indioepê Omin – Família Pretas Importam“, onde os pais puderam documentar o desenrolar do processo.
Foto retirada da página da família.
Em sua página, a Família documenta as tentativas de retirada da 2ª via das Carteiras de Vacinação, as idas ao CREAS e CAPS AD, descrevendo como cooperaram com as recomendações do CT.
Segundo as próprias descrições do procedimento tomado pelo Conselho Tutelar os casos enviados ao MP são “para efeito das ações de perda ou suspensão familiar”. São aqueles em que se esgotam “todas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural”.
No entanto, o Promotor Público da Vara da Juventude e Criança, Mário Corrêa de Paula, afirma que a guarda das crianças nunca foi ameaçada:
“Esse prazo é padrão do MP pro Estado de São Paulo. É o prazo sugerido pelo Centro de Apoio à Infância para todos os promotores de SP. Se em 5 dias eles não providenciassem, era para o CT intervir na atualização das vacinas das crianças, mas nunca houve pedido de remoção de guarda.”
Como a cópia da vacinação das crianças não foi encontrada pela Vigilância Sanitária, a promotoria entendeu que os meninos não foram vacinados, e portanto, a medida seria mais urgente.
O medo de perder os filhos
Ainda que o mandado do MP envolvesse apenas a regularização das carteiras de vacinação e não indicasse a perda da guarda das crianças, a família conta que se sentiu atacada pelas medidas do CT e achou que poderia perder os filhos.
Um caso parecido em Araçatuba, interior de SP, causou a perda da filha a uma mãe candomblecista. A guarda foi retirada após a adolescente de 12 anos passar por um ritual de iniciação do candomblé. O CT moveu a ação depois das denúncias de maus-tratos e abuso sexual, feitas pela avó da menina. A menina passou por perícia e negou os abusos, mas ainda foi retirada da mãe. O caso foi relatado pelo Uol.
O ocorrido em Araçatuba foi considerado pela família e pelo público um caso de intolerância religiosa, que custou à mãe a perda da filha. Portanto, não é de se estranhar que a família de São Carlos tenha se sentido ameaçada e se defendido nas redes sociais.
Os dois casos chamam atenção para a responsabilidade da população na escolha dos conselheiros e conselheiras tutelares, sendo eles eleitos por votação aberta à todas as pessoas com mais de 16 anos e que tenham título regular.
Os conselheiros são responsáveis por zelar pela proteção das crianças e adolescentes, atendendo à diversidade religiosa e cultural do país.
A resposta do CT e MP
O Tribuna São Carlense procurou o CT para falar sobre o caso, que preferiu não conversar e encaminhou o Jornal ao Promotor Público da Vara da Infância e Juventude.
Sobre as acusações de discriminação, o Promotor Corrêa de Paula assumiu o erro do CT na redação da medida, mas o defendeu das acusações de discriminação cultural e racial:
“Nesse ponto específico, eu tenho o relato do CT, de que não foi surpreendida nenhuma criança em evento noturno. Segundo o Conselho, os pais relataram que quando a avó ou a bisavó não pode ficar com as crianças, eles as levavam nesses eventos. A questão não é reggae. A questão seria levar com habitualidade e não levar eventualmente a eventos noturnos. Houve uma infelicidade na forma que foi redigida a medida pelo Conselho, mas não há uma proibição quanto a um tipo de cultura ou a um tipo de música.”
Desespero dos pais
A vacinação das crianças foi regularizada às pressas, causando desespero nos pais e nas crianças. A Vigilância Sanitária não encontrou a cópia da vacinação dos filhos de Indioepê, impedindo a impressão de uma 2ª via. Depois de diversas tentativas e apelos a dois postos de saúde e Vigilância Sanitária, as crianças receberam algumas das vacinas necessárias para regularizar a situação das carteiras. O processo pode durar até 4 meses.
Gostou dessa matéria? Contribua com o jornalismo popular na cidade:
http://tribunasaocarlense.com.br/financiamento-coletivo/