UFSCar enfrenta críticas e pressão após falha em lista de convocados em 2ª chamada

UFSCar enfrenta críticas e pressão após falha em lista de convocados em 2ª chamada

13/03/2024 Off Por Colaborador/a

Estudantes relatam prejuízos e movimento por ações coletivas ganha força

Por Gabriel Pinheiro

A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) está enfrentando críticas após a revogação da lista de convocados para o requerimento de matrícula em 2ª chamada nos cursos de graduação do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). A falha foi atribuída a uma parametrização inadequada do algoritmo, revelando a necessidade de revisão e ações corretivas imediatas. Inicialmente a UFSCar negou qualquer tipo de erro na seleção, mas após auditoria interna revogou a lista, gerando críticas dos estudantes.

A lista corrigida foi publicada segunda, 11 de março, excluindo as pessoas convocadas anteriormente de forma equivocada. De acordo com a Universidade, aqueles que não forem convocados nesta etapa devem aguardar as manifestações de interesse nas 3ª e 4ª chamadas, que ocorrerão em 26 de março. Estudantes e familiares estão fazendo pressão nas redes sociais da Federal para que o problema seja resolvido e que os que foram convocados na primeira versão da lista de segunda chamada tenham as suas vagas garantidas.

Revolta dos estudantes

Bruno Barros Dutra, estudante de 23 anos natural de Ibaté (SP), diz que se sentiu impotente com o ocorrido. “Você investe tempo e esforço na elaboração de planos e de uma logística para ingressar em uma universidade federal, o que não é fácil, e ao chegar lá, enfrenta todo esse transtorno.” Para Bruno, as pessoas foram prejudicadas em vários aspectos, mas o impacto mais significativo é no aspecto psicológico.

“Preparar-se para um vestibular, ver seu nome na lista, criar expectativas e, em seguida, ter esse direito negado pela instituição que o concedeu. Isso nos foi tirado repentinamente e sem aviso prévio. Isso sem mencionar a parte material, algumas pessoas pediram demissão do trabalho, estavam prestes a fazer a primeira visita a repúblicas, alugar apartamentos e comprar móveis. Outras abriram mão de vagas em outras universidades para entrar na Federal”, afirma o estudante.

Ele decidiu não ficar parado perante o ocorrido, com ajuda de uma professora do cursinho em que estuda, Bruno organizou diversas outras pessoas que passaram pela mesma situação que ele para tomar as medidas cabíveis. “Nós compilamos uma lista das pessoas prejudicadas pela Universidade Federal de São Carlos para levantar informações e, se necessário, entraremos com um processo coletivo contra a instituição.” De acordo com Bruno a iniciativa já conta com cerca de quinze pessoas, e aumenta cada vez mais.

Assim como Bruno, Julia Tibery, de 18 anos, disse estar traumatizada com o ocorrido. A estudante de escola pública de Descalvado (SP) sempre sonhou em estudar na UFSCar. “Passei na segunda chamada e foi uma sensação incrível. Realizei meu sonho e compartilhei a notícia com toda a minha família, me pintei com meus amigos e fui à minha antiga escola agradecer aos professores que me ajudaram. Foi uma experiência maravilhosa, com todo mundo me parabenizando”, explica a jovem. Ela abriu mão do emprego para assumir a vaga na Federal, e agora ela se vê desempregada e sem a vaga na Universidade pois o nome dela não consta na nova chamada feita pela UFSCar.

“Quem é de escola pública sabe o quanto nos esforçamos para entrar em uma universidade pública. Quando a lista foi cancelada, ficamos perplexos, pois não cometemos nenhum erro. Nosso sonho foi apagado como se fosse com uma borracha, tudo por falta de organização por parte deles” afirma Julia Tibery. Ela diz não saber se vai processar a UFSCar. Para ela, a instituição deveria ter mantido a segunda chamada e, na terceira chamada, corrigir os erros da segunda. “Se eu não passar na terceira ou quarta chamada, não sei o que farei. É traumatizante”, finaliza a estudante de 18 anos.

Fim do vestibular?

Em nota, o Diretório Central dos Estudantes da UFSCar e os Centros Acadêmicos da universidade, repudiaram os erros cometidos durante a segunda chamada de ingressantes. “Sabemos que o processo do vestibular, principalmente para as pessoas mais pobres, é desgastante e cheio de preocupações e ansiedades. Entendemos que essa inconsistência da UFSCar é um desrespeito com a vida dos estudantes que foram afetados. Muitos desistiram de vagas em outras universidades e confiaram em uma convocação que na prática pode não acontecer, resultando em impactos financeiros e emocionais severos”, constata a nota. A entidade de representação dos estudantes da Federal entende que esse erro é fruto da precarização das universidades federais e “prova mais uma vez que o vestibular tem sido uma barreira de acesso da nossa juventude à universidade pública”.

Quem sustenta a ideia das falhas apresentadas pelo atual sistema de ingresso nas universidades públicas no Brasil é Marcelo Hayashi, doutorando na área de educação na UFSCar e presidente da Associação de Pós-graduandos (APG) da instituição. Para Hayashi, o vestibular funciona como um filtro de exclusão de estudantes de baixa renda e de escolas públicas. “O vestibular tem que acabar nesses termos, ele não é necessário. Existem experiências inclusive na América Latina de países que não possuem um vestibular para acesso ao ensino superior.” O pesquisador, que também é militante da Reconstrução Revolucionária (PCB-RR), defende que essa nova perspectiva de ingresso no ensino público pode resultar em uma maior presença de pessoas no ensino superior, sem a existência desse filtro representado pelo vestibular. “Dessa forma, teríamos uma universidade mais popular, não só com estudantes filhos de pessoas ricas, e uma universidade mais preocupada com os interesses da população”, defende Hayashi.

O presidente da APG UFSCar ressalta que, na Argentina, não há um vestibular. “A realidade de cada país também influencia nisso, mas lá quem deseja estudar no ensino superior só precisa ter concluído o ensino médio e solicitar a entrada no curso.” Para que essa abordagem seja adotada no Brasil, Hayashi afirma que é necessário um aumento significativo na alocação de verbas para as universidades públicas. “Dessa maneira, as instituições poderão acomodar um maior número de estudantes, tornando o sonho de frequentar uma universidade mais do que apenas um desejo, mas sim uma realidade concreta para toda a população”, finaliza o especialista em educação da UFSCar.