Precisamos de uma política econômica que nos permita parar

Precisamos de uma política econômica que nos permita parar

19/04/2020 Off Por Editorial Tribuna São Carlense

A calma aparente nas ruas não expressa a gravidade da situação em que vivemos. Mais grave que a COVID-19, que se devidamente tratada apresenta baixa letalidade, a falta de capacidade em atender devidamente a estes pacientes é nossa grande ameaça. Quem tenha seu sistema respiratório comprometido gravemente precisará dispor de equipamentos e mão de obra médica especializada. A cidade de São Carlos, como todas as outras do mundo, não possui materiais, equipamentos e equipes suficientes para suportar uma demanda massiva por atendimento, e é essa insuficiente que causa maior parte das mortes. Desta forma, o isolamento social é, até agora, o melhor caminho para se evitar um desastre público como o que ocorre no Equador, que tem mortos nas ruas e precisou recorrer à incineração de corpos, ou na Itália, que não deu atenção às recomendações de isolamento social da Organização Mundial da Saúde e hoje vê seu sistema de saúde tendo que escolher quem terá ou não acesso a tratamento médico, pois não há recursos para todos.

Nós não estamos em uma situação de normalidade e não adiantará nada querer agir como se estivéssemos. É um momento único na história recente do nosso país e cidade, e especialmente duro para a classe trabalhadora. Quem gera sustento diretamente de seu trabalho está em uma situação delicada, mas que pode se tornar desastrosa se não agirmos de maneira consciente, disciplinada e cidadã. Claro, não é uma questão apenas de querer agir da forma mais segura: é uma questão de poder agir desta forma. Dada a lentidão com que as decisões foram tomadas somada a atuação desastrosa do Presidente da República em se portar como um verdadeiro Chefe de Estado, as ações que deveriam vir em auxílio a classe trabalhadora estão demorando. Demais. É natural que com isto se pense em retomar as atividades, como reabrir o comércio. Este não é o caminho que vai nos tirar desta situação.

Neste momento, São Carlos possui 2 óbitos confirmados por COVID-19, 8 óbitos sob investigação, 10 casos confirmados da doença e 13 pessoas internadas sob suspeita, sendo 7 na enfermaria e 6 na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Desde que foi decretado o estado de emergência devido a pandemia a prefeitura passou a notificar casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave. Não são realizados mais exames para COVID-19 para quem der entrada no sistema de saúde com este quadro a menos que haja a suspeita da contaminação. Isto por não haverem testes suficientes para todos os casos. Deste então foram notificados 1365 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave. A Santa Casa de São Carlos conta com 20 leitos de UTI para atender a população. Ainda no ano passado, numa situação de normalidade, não houve leitos disponíveis para todos os necessitados. Estes leitos não são exclusivos da cidade, atendendo, na região, a 390 mil pessoas. Segundo o Conselho Federal de Medicina seriam necessários, ao menos, 39 leitos para atender a esta população, o que seria equivalente a 0.1% da população. O Ginásio Milton Olaio Filho se prepara para receber 120 leitos. Somados, estes leitos superam em apenas 3 o necessário estimado para os 3%, no mínimo, da população que, numa situação de contaminação grave por Corona Vírus, precisem destes cuidados intensivos. Todos estes leitos estariam ocupados ficando os demais casos (acidente de carro, infarto, complicações diversas, etc) desassistidos. Nossa luta não é só contra o Corona Vírus, nossa luta, neste momento, é para ter condições de atender aos necessitados do Sistema de Saúde. O isolamento e a paralização das atividades têm se mostrado o melhor caminho para isto.

Em atenção a pandemia de Corona Vírus foi decretado em 19 de março estado de emergência em São Carlos e desde então está sendo implementado o isolamento social como forma de impedir o aumento da contaminação pela COVID-19. Os trabalhadores que dependem exclusivamente de seus salários e os pequenos comerciantes que dependem do seu fluxo de vendas sentem os efeitos desta medida. No dia 27 de março houve uma reunião do Comitê Emergencial de Combate ao Corona Vírus com a Associação Comercial e Industrial de São Carlos (ACISC), Sindicato do Comércio Varejista de São Carlos e Região (SINCOMERCIO), Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de São Carlos e Região (SINTSHOGASTRO), CIESP, Santa Casa, Hospital Universitário, UNIMED e a Vigilância Epidemiológica para discutir os prazos estabelecidos pelo Decreto N° 140, que dispõe sobre o fechamento do comércio local. No dia 7 de abril o Comitê reuniu-se com vários órgãos e associações como Ciesp, Sincomercio, Acisc, Prefeitura, Câmara e OAB decidindo por dar seguimento a quarentena até 22 de abril, seguindo a determinação Estadual. Esta medida é acertada e coerente com o que se tem visto em prevenção ao caos gerado por um sistema de saúde colapsado.

Para que o trabalhador tenha condições de passar por esta fase difícil devem haver medidas dos Governos Municipais, Estaduais e Federais para que haja renda, os empregos sejam mantidos e a população enfrente, com dignidade, esta pandemia, como está sendo feito em diversos países mundo afora. Algumas destas medidas foram tomadas, porém ainda insuficientes e, dentro das nossas possibilidades atuais, devemos pressionar as autoridades para que venham em auxílio a população, organizando e direcionando este movimento. Se vivemos numa sociedade organizada e democrática é este o momento de nossos líderes agirem como tal e exercerem o correto direcionamento da situação, sempre atentos às autoridades médicas e sanitárias, evitando promessas milagrosas, medidas desastrosas e optando pela segurança e proteção da população. A solução para este momento é coletiva, ações individualistas e irresponsáveis não nos ajudarão. É importante que todo cidadão saiba que a principal preocupação agora é cessar a transmissão num cenário em que não se sabem nem se estamos contaminados.

Não podemos, sob nenhuma hipótese, pensar que estamos diante da escolha entre nossa saúde e nosso sustento, muito menos ver cientistas e comerciantes como inimigos, afinal, são todos da mesma classe – a trabalhadora. Devemos cobrar dos governos a garantia do bem estar da população, provendo saúde e sustento. Os que possuem condições de nos dar tal garantia e não o fazem, esses sim, são inimigos.


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