“Por que levantamos nossas bandeiras?” – Enviado pelo/a Leitor/a
28/05/2019Texto escrito e enviado por: Primitivo (MC, graduando em sistemas de informação e militante do Partido Comunista Brasileiro de São Carlos)
Em momentos históricos em que contradições sociais explodem e dão fôlego massivo à luta popular, é comum e extremamente positivo que parte das camadas oprimidas – antes sem perspectiva de ação coletiva -desperte para a luta em defesa de seus direitos. É o que vimos com as jornadas de junho de 2013, com as ocupações secundaristas de 2015 e 2016, de certa forma com a greve geral de 28 de abril de 2017, com o #EleNão e com as grandes manifestações de 15 de maio, que mobilizaram centenas de milhares de pessoas em mais de duzentas cidades do país contra os cortes de verbas da educação, expressando um grande avanço na luta das forças populares contra o projeto neofascista do governo Bolsonaro.
Junto da ebulição social e da efervescência da luta de massas, ressurgem discussões político-organizativas fundamentais ao movimento popular. Uma delas, característica de nosso ciclo de lutas iniciado em 2013 e marcado pelo esgotamento da conciliação de classes, é sobre a participação de partidos em atos e manifestações de rua.
Durante a construção da greve geral da educação, os e as militantes do PCB e da UJC – nosso coletivo de juventude – novamente se depararam com esses questionamentos e debates sinceros nas assembleias de cursos, gerais e reuniões amplas. Nesses espaços, nos opusemos à visão antipartidária e explicamos os perigos do antipartidarismo em um momento de ataques gigantes à nossa classe e suas organizações políticas. Mas nossas explicações nos espaços democráticos e auto-organizados sempre se deparam com um limite claro de tempo.
É por isso que escrevo esse texto, no sentido de – na perspectiva marxista-leninista – ampliar o debate político no seio de um movimento plural de jovens estudantes e trabalhadores que se propõe a firmar uma unidade em torno de pautas que nos atingem frontalmente.
1. Porque somos estudantes e trabalhadores que lutam!
Diferente de partidos da ordem – que formam seus membros para atuarem unicamente no meio eleitoral e institucional de maneira burocrática, buscando uma “carreira política” – os e as camaradas do PCB são estudantes, operários, professores, pós-graduandos, MCs, poetas, advogados, terceirizados, psicólogos etc que se formam na prática político-organizativa das massas insatisfeitas – o que inclui a construção de sindicatos, diretórios acadêmicos, coletivos culturais, coletivos de educação popular etc – no estudo teórico do marxismo-leninismo, da realidade brasileira, latino-americana e mundial, sempre no sentido da construção da sociedade socialista, rumo ao comunismo.
Apesar de utilizarmos o sistema eleitoral burguês como ferramenta de disputa de consciência das camadas oprimidas da população e do fundo público – que segue sendo rapinado por banqueiros, latifundiários e grandes empresários – nosso foco é a auto-organização da juventude e dos trabalhadores na perspectiva da revolução socialista: o Poder Popular. Para nós, muito mais importante que um parlamentar de esquerda é o envolvimento das massas populares como sujeitos da ação histórica contra o capitalismo e a sociedade burguesa.
Em nosso Partido, por exemplo, não fazemos qualquer confusão entre os termos “militante” e “filiado” [1]. Militância é um conceito político, enquanto filiado é um conceito jurídico. É a militância política e não a filiação jurídica que assegurará direitos e deveres estatutários, inclusive o de votar e ser votado nas eleições internas, para as instâncias ou representações partidárias. Por decisão coletiva, alguns desses militantes são registrados como “filiados” na justiça eleitoral, com o único objetivo de serem possíveis candidatos a cargos públicos eletivos em pleitos posteriores. No PCB, portanto, não há “filiado” que não seja militante e que não esteja atuando em organismos de base, ombro a ombro com seus colegas de trabalho, estudo ou moradia.
Nossas atividades são totalmente financiadas por nossos militantes, amigos e simpatizantes. Para manter nossa independência de classe, não aceitamos quaisquer doações de entidades privadas, afinal: quem paga a banda escolhe a música.
2. Porque não nos apropriamos de lutas, construímos lutas
É compreensível o “pé atrás” de alguns estudantes e trabalhadores com partidos e organizações políticas, já que:
a) Passamos por um longo período – nos governos petistas – de cooptação e burocratização de entidades estudantis, sindicatos e movimentos sociais. A luta de massas organizada e permanente – única forma de garantir avanços concretos que duram no tempo como a rocha dura no vento – foi substituída por concessões, conciliações e negociações de gabinetes.
b) Hoje temos um movimento neofascista que se desenvolveu com um discurso de demonização do PT e de criminalização de partidos e organizações políticas de esquerda: o inimigo em comum fabricado por esse movimento são justamente os “bandidos vermelhos” [2]. Os “intelectuais” desse movimento e a grande mídia bombardeiam a população com falsificações acerca da movimentos populares organizados, já que são estes que apresentam perigo real ao sistema capitalista.
c) Nos últimos anos, o sistema político burguês se expôs por completo: é autoritário, genocida, corrupto e incapaz de resolver os problemas centrais de nosso povo – que segue no caminho da miséria. Ao contrário: é um conjunto de engrenagens que funciona para colocar a conta da crise em nossas costas e manter, a qualquer custo, o sistema econômico capitalista funcionando a pleno vapor. Os partidos de esquerda que se adequam à ele não tem outro fim senão o fracasso na luta por transformações sociais radicais e o afastamento das bases sociais que o sustentam.
Entretanto, a política que fazemos não é a da apropriação e da burocratização, não é a da criminalização das organizações políticas de esquerda e não é a de adequação à ordem burguesa: é a da construção coletiva e dinâmica de entidades estudantis, sindicatos e movimentos sociais. De um lado, participamos ativamente desses espaços defendendo de
forma intransigente os interesses de nossa classe – como a educação pública, gratuita, de qualidade e popular -; por outro, recolhemos de nossos colegas suas experiências, reivindicações e tendências para capacitar o Partido a elaborar propostas políticas adequadas às nossas necessidades enquanto classe.
Na greve geral do setor da educação do dia 15 de Maio, por exemplo, todos os militantes do PCB e de seus coletivos partidários participaram – de formas diferentes e ao lado dos estudantes e trabalhadores, organizados ou não – de sua construção: organizamos e participamos de assembleias, organizamos e participamos de reuniões amplas de articulação e agitamos a bandeira da educação pública, gratuita, de qualidade e popular em diferentes locais do país, dentro e fora das universidades. Fizemos esse trabalho de forma contínua antes mesmo da manifestação ser chamada.
É o que os trabalhadores e estudantes do PCB fazem desde nossa fundação, em 1922. É o trabalho que, em São Carlos, retomamos em 2014, quando reconstruímos o Partido municipalmente. É o que fizemos esse ano na Marcha das Mulheres, nas lutas unitárias contra a reforma da previdência de 22 de março e 1º de maio – época em que realizamos uma semana de agitação em que conversamos com mais de 3000 trabalhadores São Carlenses [3] – e na greve da educação de 15 de maio.
3. Porque entendemos a organização coletiva como imperativo da transformação social radical!
Muitos dos problemas que enfrentamos e lutamos contra no nosso dia a dia – enquanto trabalhadores e estudantes – são defendidos e aplicados por grupos sociais com muito mais poder econômico e político que nós, quando estamos sozinhos: arrocho salarial, aumento da jornada de trabalho, aumento do preço das passagens de ônibus, corte de bolsas, violência policial, violência de gênero etc. Resta-nos, portanto, que façamos nós mesmos nossos instrumentos políticos (sindicatos, entidades estudantis, associações de
bairro, coletivos etc) capazes de debater e reivindicar – com maior força do que quando estamos desunidos – a superação de cada um desses problemas.
Mas conseguirão tais problemas serem completamente superados através da luta fragmentada e imediata de cada um desses instrumentos políticos? Não! Cada um desses problemas são sintomas de uma doença que assola a vida da maioria da população de grande parte do mundo, em especial nos países periféricos e dependentes como o Brasil: o capitalismo. São problemas estruturais que demandam transformações também estruturais para serem superados, que só são possíveis através da ruptura revolucionária com o
sistema econômico capitalista. É este que determina – em última instância – nosso sistema judiciário injusto, nosso sistema político autoritário, visões de mundo mesquinhas e individualistas e todos os problemas que enfrentamos no nosso dia a dia. Explico.
A propriedade privada dos meios de produção e a apropriação privada do trabalho coletivo são a base do capitalismo. Por conta dessa base, existem classes sociais com interesses distintos e irreconciliáveis: aqueles que possuem a propriedade privada dos meios de produção (burguesia) e, portanto, vivem da apropriação do trabalho coletivo e aqueles que não possuem nada além de sua força de trabalho (trabalhadores) e que, portanto, vivem de seu trabalho, mês a mês, aluguel a aluguel, vale alimentação a vale
alimentação.
Para a manutenção desse modo de produção e reprodução de vida, a burguesia constrói e mantém suas próprias ferramentas político-militar-ideológicas, que usam tanto a violência explícita e direta como a criação de consenso ideológico: aparato de repressão militar forte e centralizado, instituições jurídicas, sistema político, partidos da ordem, instituições religiosas, sistema escolar, emissoras de TV, jornais, ONGs, aplicativos de comunicação etc. O capitalismo é, deste modo, um todo complexo e muito bem estruturado.
A realidade objetiva exige, portanto, a estruturação de uma organização política capaz de organizar a classe explorada para a ruptura revolucionária com o capitalismo, relacionando as lutas imediatas – feitas pelos sindicatos, as entidades estudantis e os movimentos sociais – com a necessidade histórica da tomada do poder pela nossa classe.
Tal organização é o Partido Comunista. Um Partido com democracia nas discussões e unidade nas ações, potencializando a força do movimento revolucionário. Um Partido que desenvolve – através da prática e do estudo sistemático – a disciplina, a organização e a consciência de seus militantes, transformando-os em revolucionários que dedicam sua vida à revolução. Um Partido com um programa justo e revolucionário, criado a partir das
necessidades reais – captadas pelos e pelas militantes orgânicos do Partido – dos trabalhadores do campo e da cidade.
O papel básico do Partido Comunista é, assim, contribuir para a elevação da consciência de classe dos trabalhadores, agindo na organização das lutas e na propaganda socialista em contraponto ao modelo de sociedade capitalista. A disputa ideológica que o Partido Comunista promove visa superar os marcos dos interesses puramente imediatos, economicistas, corporativos, para o nível da visão global da realidade, forjando, deste modo, a visão de mundo transformadora, capaz de hegemonizar um projeto político de
construção da sociedade socialista.
4. Porque nossas bandeiras e instrumentos de manifestação cumprem funções agitativas e securitivas
O momento em que um setor expressivo da população, tomado pelo sentimento de indignação e revolta, ocupa as ruas das cidades no sentido reivindicatório e de luta é uma manifestação de massas.
Não devemos nos enganar: uma manifestação de massas como as de nosso ciclo de lutas tem objetivos imediatos. Não culmina na tomada do poder estatal, tampouco destrói a propriedade privada. Por si só, não é nem um levante e nem uma rebelião. Mas isso não faz dela menos importante. A manifestação de massas participa de um processo importantíssimo na luta ideológica e material contra as classes dominantes.
Ideológica porque a reunião de uma multidão sob gritos e reivindicações comuns são uma demonstração de força interna e externa: por um lado, cria um sentimento de força, de unidade de opinião e dá esperanças aos setores oprimidos; por outro, pode criar medo e ansiedade aos setores dominantes. A depender da situação, pode inclusive provocar a ação dos Aparelhos Repressivos de Estado, exacerbando o caráter de classe da democracia burguesa.
Material porque muda a correlação de forças ao elevar – através da prática adquirida em assembleias, reuniões, atividades de agitação e de diálogo com a população – o nível organizativo das forças populares.
A partir desses entendimentos, os comunistas organizam o Bloco Vermelho com bandeiras, faixas, bateria, gritos etc nas manifestações de rua com 2 propósitos claros:
a) Agitar as pautas de nossa classe, disputando a consciência de todos os presentes no ato e trabalhando para transformar a dispersão de consciência ali presente em uma homogênea consciência de classe e de luta.
b) Garantir a segurança de nossa militância, amigos e simpatizantes. O bloco nos mantém unidos e nossa divisão de tarefas dentro dele nos mantém pronto para ameaças externas.
Levantamos nossas bandeiras, portanto, para combater problemas estruturais que demandam transformações também estruturais para serem superados, que só são possíveis através da ruptura revolucionária com o modo de produção capitalista. Ruptura que exige a organização e o fortalecimento dos instrumentos políticos revolucionários capazes de dirigir a disputa pela hegemonia do proletariado na sociedade, fazendo uso das formulações teóricas e políticas que embasam a teoria social desenvolvida por Marx, Engels, Lênin e outros(as) revolucionários(as).
-Seu partido é o Brasil? Unidade na luta e antipartidarismo enquanto arma reacionária!
A crise do capital, historicamente, é uma correnteza que força uma reordenação das estruturas de dominação de classe a fim de garantir a retomada do lucro aos grandes capitalistas. Enquanto trabalhadores, estamos imersos há alguns anos numa correnteza que demora para passar. Enquanto trabalhadores de um país periférico e dependente no sistema capitalista, sentimos o passar da água arrastando todas as vitórias parciais que conseguimos em tempos calmos e até em outras correntezas.
Nos agarramos em pedras segurando o pouco que nos garantia nadar: sistema previdenciário público, direitos trabalhistas básicos, sistema de saúde público e universal. Até nossa soberania nacional – já tão rebaixada com o fortalecimento de conglomerados privados de educação, desmonte das universidades públicas e venda de setores econômicos estratégicos – alcança outro nível de rebaixamento com nossa transformação aberta em proxy estadunidense na América Latina.
O momento exige, portanto, a mais ampla unidade na luta em defesa de nossos direitos! Mas unidade na luta não significa diluição de diferenças políticas entre todos que a constroem. Pelo contrário, ela só é possível e forte quando há espaço aberto e amplo para o debate sincero. É por isso que – apesar de termos plena consciência da necessidade histórica da construção do poder popular e do socialismo – não rechaçamos nenhum estudante, trabalhador ou qualquer outra organização política que construa conosco uma unidade tática e discorde de nossa estratégia e linha política. Não rechaçamos, expomos as discordâncias abertamente e disputamos consciências.
Nesse sentido, fica claro o papel nefasto e reacionário da ideologia anti partidária: busca proibir a participação de instrumentos político-organizativos da classe trabalhadora numa unidade justa e necessária, negando a diversidade de opiniões, cortando a possibilidade da disputa política – fundamental para a formação de qualquer unidade – e fragilizando o movimento popular. Serve puramente aos interesses da classe dominante.
Não à toa é base ideológica fundamental de uma prática característica da extrema direita: a criminalização dos movimentos sociais, sindicatos, entidades estudantis e partidos de esquerda, em especial os comunistas. Tal prática aparece como constante, mesmo que assumindo diferentes formas e intensidades, em todas as ditaduras abertas da burguesia.
Não à toa é, junto ao anticomunismo, parte da bagunça ideológica do bolsonarismo: “Meu Partido é o Brasil”, agita o movimento neofascista que tem como liderança uma família que vive há anos da política enquanto carreira e defende a tipificação de movimentos sociais como grupos terroristas, advoga pela criminalização do comunismo [3] e reverencia torturadores militares.
Se a juventude que vai novamente a luta nesse 30M é filha das importantes jornadas de luta de junho de 2013, que aprenda com os erros do pai. Que não caia, novamente, na armadilha do opressor: o antipartidarismo é uma arma reacionária!
[1] Conheça mais a fundo como o PCB se organiza:https://pcb.org.br/portal/docs/manual.html
[2] https://www.youtube.com/watch?v=2rtKD52AFPI
[3] https://www.facebook.com/watch/?v=2260284404287397
[4] https://pcb.org.br/portal2/…/querem-proibir-o-povo-de-lutar/
[5] Na computação, conhecemos como proxy um servidor que age como intermediário para requisição de clientes solicitando recursos de outros servidores. Na luta de classes do capitalismo em sua fase imperialista, conhecemos da mesma maneira, apenas substituindo “servidor” por país.