O Sabor do Saber #1

O Sabor do Saber #1

18/12/2019 Off Por Editorial Tribuna São Carlense

LIGA-PONTOS NO CÉU

por Antônio Soares

Admiradores do céu noturno, leigos ou versados, voltam seus olhos para as estrelas sempre a procura de constelações. Configurações específicas de pontos brilhantes, conhecidas como asterismos, permitem aos observadores distinguirem tais figuras no fundo celeste. Tal atividade é muito mais antiga do que comumente se imagina. Pinturas rupestres de mais de 16.000 anos atrás encontradas na França mostram mapas estelares, o que seriam registros de constelações pré-históricas. Passados 16 milênios – atravessando a Antiguidade, onde os gregos refletiram no céu sua cultura, eternizando personagens de suas crenças –, o termo “constelação” está popularmente associado a um conjunto de estrelas que formam uma determinada imagem.

Em Colorir Papel, Jammil e Uma Noites canta que “uma estrela só não é constelação”, enquanto Raul Seixas em Muita Estrela, Pouca Constelação diz exatamente que “o problema é muita estrela pra pouca constelação”. Carlos Drummond de Andrade, em Órion, fala da “primeira namorada, tão alta / […] nem mesmo a voz a alcançava / Eram quilômetros de silêncio”. Poesia à parte, além dos trechos apresentados não abordarem o conceito oficial adotado hoje pela IAU (International Astronomical Union – União Astronômica Internacional), o poema de Drummond pode levar a um erro comum: a ideia de que as estrelas que são vistas uma ao lado da outra no
céu estão realmente próximas no espaço.

De início, deve-se ter em mente que as estrelas que enxergamos estão a diferentes distâncias da Terra, havendo em geral milhares de anos-luz entre elas. Sabendo disso, a definição de constelação se afasta da noção de tão somente um substantivo coletivo. Mas, antes de abordarmos o significado exato da palavra, é conveniente entender como elas surgiram.

Estrelas e constelações são usadas desde a pré-história para marcação de tempo. Anunciavam estações do ano, períodos de frio, etc. Assim, as populações das mais variadas épocas planejavam mudanças, plantio e colheita e suas festividades. Ainda hoje elas cumprem esse papel. É comum a associação de Escorpião ao inverno, de Pégaso a primavera, de Órion ao verão e de Leão ao outono no Hemisfério Sul. Durante muito tempo, constelações também foram importantes para orientação. Outrossim, isso não caiu em completo desuso. O Cruzeiro do Sul continua sendo um guia para a direção sul.

Contudo, a finalidade principal das constelações atualmente é outra. Foi em 1930, que o astrônomo belga Eugène Delporte, com o reconhecimento da IAU, listou as 88 constelações ditas modernas, cada uma representando uma porção bem demarcada do céu. A partir de então constelações se tornaram oficialmente uma maneira de mapear a esfera celeste. Tal como o Brasil possui 26 estados (e um distrito federal), o céu possui suas 88 constelações.

A imagem abaixo é uma carta celeste do céu de São Carlos, à meia-noite do dia 1 de janeiro de 2020. O mapa mostra em linha contínua os desenhos conhecidos das constelações, enquanto os seguimentos tracejados as delimitam.

Carta celeste do céu são-carlense à meia noite do dia 01 de janeiro de 2020

Com isso, é possível localizar objetos celestes, sejam eles estrelas ou não, indicando a constelação onde eles se encontram. Sirius, a estrela mais brilhante do céu noturno, por exemplo, pertence ao Cão Maior; o centro da Via Láctea está em Sagitário; o aglomerado aberto das Plêiades fica no Touro… E assim por diante. Essa brincadeira de liga-pontos no céu é a forma mais simples para se identificar constelações e assim saber para qual região do universo estamos olhando e o que podemos encontrar ali – sendo única e simplesmente um método lúdico de identificação. Sempre que houver, então, uma referência (não poética) a constelações, é importante lembrar que a fala não é sobre conjuntos de estrelas, mas sim sobre diferentes regiões do céu.