“Meu salve é lutar”: rapper são-carlense homenageia bairro Cidade Aracy em seu primeiro lançamento

“Meu salve é lutar”: rapper são-carlense homenageia bairro Cidade Aracy em seu primeiro lançamento

01/08/2020 1 Por Equipe Tribuna

Na última sexta-feira (31) a música “Voz do C.A.”, o primeiro trabalho autoral do músico independente THC, foi lançada mas mídias. É com esse artista, que dispensa o rótulo de MC, que trazemos uma entrevista exclusiva com tudo o que ele tem para dizer. E que não é pouca coisa!

Arissandro Souza, ou THC, é natural de Igarapé-Mirim, no Pará, e morador do bairro Cidade Aracy há uma década. Chegou na cidade ainda criança junto com a família em busca de melhores oportunidades e acabou encontrando no RAP uma forma de se expressar e colocar em prática a escrita, que sempre gostou.

Trouxe na bagagem referências como Eduardo Taddeo, Trilha Sonora do Gueto, Racionais MC’s, entre tantos outros, que contribuíram na criação de sua primeira música lançada, que, assim como a música de seus ídolos ,“representa a resistência, representa a luta”. 

Créditos: Pedro Pastel / AK16

Membro do Complexo dos Esquecidos, coletivo que organiza a Batalha da Praça, na praça Ronald Golias, e militante do PCB, THC mostrou todo seu poder crítico na letra de “Voz da C.A.”. Com acidez, traz suas vivências representadas na letra, através de versos como “porque os brilhos na favela são fuzil e pistola / no meu bairro tem estrela mas ninguém se importa / quantas Martas sonham em jogar uma bola / quantos Ronaldinhos foram mortos antes da hora?” e “sua classe que fez isso / só tô aqui pra me vingar”. Mostra também a realidade das periferias do Brasil: “me explica se tem lógica / por que nesse país tem mais prisão do que escola? / Estado de bosta acha que o gueto é horta / plantando essas misérias só vai colher revolta”.

O rapper são-carlense conversou com nossa equipe de reportagem em uma entrevista online e contou um pouco da sua história, de como conheceu o RAP, do lançamento da sua música e do que vem por aí.


Leia a entrevista escutando a música “Voz da C.A.”:

 


Reportagem: Quem é você?
THC: Em poucas palavras, sou um guerrilheiro urbano, um poeta da classe trabalhadora e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Eu sou filho de empregada doméstica, neto de empregada doméstica e se moscar bisneto de escravo, tá ligado?! Eu nasci em uma ilha chamada Igarapé-Mirim, depois eu fui pra Benevides, que é uma cidade do interior do estado do Pará, e do Pará eu viajei de caminhão pra cá, pra São Carlos. Três dias e três noites de estrada, e cheguei aqui, no Cidade Aracy, achando que estava na grande São Paulo, descobri um novo mundo! (rs)

Reportagem: E como é essa sua ligação com a cidade, com o bairro? Desde quando você mora aqui?

THC: Deve ter uns 10 anos que eu moro aqui, sempre no Cidade Aracy, nunca morei em outro bairro, e quando eu vim eu tinha uns 11, 12 anos. Minha ligação com a cidade é bem forte, porque eu estudei aqui, tenho laços de amizade, relacionamentos, empregos, inimizades, várias coisas já aconteceram e tudo isso formou essa ligação. Me identifiquei com o bairro e foi a única oportunidade que a gente teve melhor que no Pará.

 

Reportagem: E como você se interessou pelo RAP?

THC: Então, minha história… até fico meio cansado de falar ela, porque parece que eu sempre falo a mesma coisa (rs). Mas tinha a casa lá no Pará, e tinha uma casa nos fundos que era a casa do meu tio, vulgo Mestre. E ele é eletricista, ele consertava os ‘bagulho’ e me deu um rádio, que era o rádio toca-fitas na época. E depois desse rádio começou a chegar umas fitas em CD pirata, e aí tinha o famoso CD lá, “Os RAP’s de SP”, tá ligado?! Aí falei “mano vou começar escutar essas fita aqui”. Comecei a escutar e já andava de skate, já andava com a molecada. E escutei e gostei pra caramba, e tinha vários nomes lá tipo Dexter, Eduardo Taddeo, que era o Facção Central na época, tinha o GOG, Racionais, Sabotage, Cirurgia Moral, Tribunal do não sei o que… Tinha aquele lá Visão de Rua também! Falei “da hora vou escutar os bagulho”, e tipo, minha ‘vó’ não gostava muito dos RAP que eu escutava, escutava meio na surdina, aí eu fui escutando ‘na direta’. Daí eu vim pra cá já sabendo o que era o RAP, me envolvi nas batalhas de rima, quando eu vi já tava ‘correndo’ algumas, e tipo rolou que tinha muito rolê de RAP aqui na quebrada, na praça, na pista de skate. Então todo mundo se conhecia, todo mundo tava junto no mesmo rolê, na federal e tal. E algum tempo depois, teve um dia que a gente ia jogar basquete na escola ali [Escola Estadual Orlando Perez], em uma manhã de domingo, e aí trombei uns mano falando que ia fazer batalha na praça, na praça da frente da escola. Fiquei tipo “pô, esses mano vão fazer batalha aqui? Nunca vi na minha quebrada” (rs). Aí decidi trocar uma ideia, falaram que ia rolar a batalha e eu sai fora com os manos que estavam comigo. Fiquei com isso na cabeça uma ‘cota’, voltei pra ver qual que era. E rolou a batalha e quem ganhou foi o Primitivo. Lembro que a gente trocou uma ideia, ele chegou com livro que tinha ganhado na batalha, dizendo que já tinha lido e tal. Aí pensei “esse mano aí é da hora”. A gente acabou se falando mais vezes, ele falou que colava nas batalhas, e eu já tinha visto ele na Alcateia (Batalha da Alcateia) fazendo umas poesia, mas não sabia que ele batalhava. Acabamos se encontrando quando fomos gravar um podcast lá na Rádio UFSCar, troquei mais ideia com ele, ele achou da hora, disse que queria fazer um som comigo. E ele me apresentou uma galera que fazia produção também, e me apresentou o Harry (Gorfo de Panda), o Zenem… eu falei “é isso, vamo escrever, vamo fazer som”, e eles me incentivaram a fazer beat. Comecei a fazer ‘uma pá’ de beat, e mostrava pra eles. Eles sempre me apoiando, me mostrando o que tava bom, o que tava ruim e aí a gente construiu essa parceria, essa amizade, essa camaradagem. E é daí que veio a história toda!

Créditos: Pedro Pastel / AK16


Reportagem: E você é só MC? Você produz também?

THC: Eu não gosto de ser chamado de MC na real. Porque tipo, MC não sei… não tenho essa brisa de “ah, sou um mc”, tá ligado?! Acho que eu poderia me considerar um escritor, porque gosto de escrever e minha ‘brisa’ é essa. Comecei fazendo poesia, porque eu ‘chapava’ muito em coisas de outros planetas assim, e aí ‘brisava’ com comparação de palavras, ligação de palavras. Daí eu fazia rima nos intervalos da escola, nas praças e tal, e acabei decidindo escrever, mas se fosse pra mim escolher mesmo acho que eu queria escrever um livro mano! Não queria fazer música, mas a necessidade bateu a porta, então é isso! Eu comecei a fazer beat por falta de apoio. Aqui na quebrada, em uma época das antigas, os grupos que tinham não fechava com todo mundo, só fechava sozinho ou fechava quem tinha uma moeda. E eu nunca fui de ter uma moeda, tá ligado?! Então a galera meio que não dava muita atenção. Aí eu falei “pô, quer saber?!”, dei um jeito, investi em um computador, aprendi a editar vídeo, fazer beat, e pensei em fazer beat pra mim mesmo, pra escrever em cima e cantar. Por mais que estivesse ruim, o importante era lançar o trampo. Agora eu to fazendo beat pra molecada do bairro, gratuitamente, porque eu quero que eles cantem também, quero que eles tenham essa oportunidade que eu não tive. O beat da minha música foi um dos primeiros beats que eu fiz. Eu tava em uma brisa de um filme, e eu fiquei tipo, “nossa, porque quando chega os vilão começa umas música muito louca, de adrenalina assim?”. Aí eu fiquei com isso na cabeça e fiz um beat. Falei “vou escrever em cima desse beat, porque eu gostei muito”, tipo foi um dos primeiros mesmo, mixado e tal.

 

Reportagem: Queria falar um pouco da música que você lançou. Como foi o processo de escrita e gravação da música?

THC: A gente que passa um bom tempo no Cidade Aracy, morando aqui, enfrenta muitas dificuldades todos os dias. Todos os dias mesmo, é uma batalha diária ‘pra’ sobreviver aqui. E como eu gosto muito de RAP, há muito tempo, e gosto muito de escrever, aproveitei algumas experiências da minha vida e fui anotando em várias partes de um caderno. Até que um dia resolvi olhar esse caderno e pensei em escrever algumas coisas, acabou saindo essa música. E surgiu essa letra, mano, com vários temas que eu vivi no Aracy.

 

Reportagem: Então é um som que fala do bairro? 

THC: Não diretamente, meio que subliminar, mas é um cotidiano de bastante pessoas, não só minha. Tem muitas experiências nesse som, eu acho.

“Acho que é mais uma das vozes que cansou de gritar, cansou de escrever cartolinas pedindo paz e justiça, é mais uma manifestação desse tipo.”

Reportagem: E o que o lançamento dessa música representa para você?

THC: Acho que representa mais um passo na nossa caminhada, da revolução. Acho que é mais uma das vozes que cansou de gritar, cansou de escrever cartolinas pedindo paz e justiça, é mais uma manifestação desse tipo. Agora vai ser um novo caminho, é o primeiro passo do novo caminho.

 

Reportagem: E o que a música representa para o seu bairro? 

THC: Pro meu bairro pode representar nosso potencial, podemos dizer assim, chamar atenção pro nosso bairro. A gente tem talentos aqui, tem muitos rappers que já saíram daqui ou que ainda se mantém aqui. Então acho que é um pouco disso, que a gente é capaz e representa a resistência, representa a luta, representa a fidelidade com o bairro. A gente não precisa ter desunião, acho que representa um compromisso com o bairro.

 

Reportagem: E tem mais coisa vindo aí? Você já está pensando em lançar mais música? 

THC: Tem muita coisa vindo, tem muita coisa escrita, tem muita coisa pra escrever também. Próximo lançamento vai ser mais uma música falando de maneira geral, falando do Brasil inteiro vamos dizer assim. E vai ter um som que vai ser dedicado só ‘pra’ São Carlos, falando de todas quebradas, a maioria dos botecos que já frequentei, rolês, ruas… representar o que eu to falando mesmo, a voz daqui pro Brasil inteiro, não só do Brasil inteiro pra cá.

Créditos: Pedro Pastel / AK16

 

Reportagem: Agradecemos a entrevista, THC, e pra terminar pode deixar um recado para quem você quiser! 

THC: Meu salve é lutar, correr atrás, porque infelizmente o dinheiro fácil não compensa, e acho que a saída é coletiva. A saída é revolução, é a única forma da gente conseguir direitos respeitados. Acho que estudar e ler bastante também, que foi o que me motivou e me deu conhecimento pra chegar em vários lugares e sair de vários lugares. Acho que esses são os recados que dá pra gente tirar da vida, não como conselho, mas como aviso. Queria mandar um salve também pro (Pedro) Pastel, pro Wesdras, pro Loturco, pro Harry, pro Primitivo, pro Alexandre… tô esquecendo de alguém, mano? Enfim, a galera da AK16 (produtora da música “Voz da C.A.”) que tá na produção pesada, produção monstra! Queria dar um salve também pra galera da Batalha da Praça, a batalha que ‘nóis’ faz aqui na Golias (Praça Ronald Golias). Queria agradecer também ao Tribuna São Carlense, pesado demais, tinha que ter uma versão impressa deste jornal, impresso ia ser ‘brabo’!


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