Grupos em situação de rua resistem a política higienista no centro de São Carlos
16/06/2021No dia 5 de março, o imóvel conhecido como Chacrinha foi demolido e 50 pessoas foram expulsas da precária moradia. A promessa da Prefeitura de que todos seriam acolhidos pelo albergue municipal foi descumprida. A falta de espaço, serviços básicos e até mesmo comida fizeram com que várias pessoas deixassem o lugar.
Com a demolição, o grupo em situação de rua teve que se instalar na pracinha que fica em frente ao antigo lugar habitado por eles, próximo ao Terminal Rodoviário de São Carlos. No último dia 8 de junho, uma ação da Prefeitura foi realizada para expulsar novamente o grupo, desta vez da praça.
Pedro Cerântola, militante das Brigadas Populares, que atua junto às pessoas em situação de rua, explica o objetivo higienista da prefeitura via intervenção policial: “a ação de hoje visava exatamente a retirada deles desse local, levando colchões, cobertores e deixando com eles só o que eles podiam carregar”.
Enquanto a política de expulsão da Prefeitura é efetiva, a de acolhimento é precária. Muitos dos sem-teto que deveriam ser acolhidos sem nenhum tipo de descriminação são empurrados de cidade em cidade porque as prefeituras dão “preferência” para os nascidos na localidade. F. B., nascida em Catanduva, afirma que procurou ajuda após reconhecer que precisava de uma internação por dependência química, porém não foi atendida. Ela denuncia: “a policial que veio aqui na quinta disse que a obrigação é com moradores de rua da cidade, e não de quem não é daqui.”
Essa política é recorrente. Vale lembrar quando foi flagrada a van da Prefeitura de Cajati, interior paulista, abandonando pessoas em situação de rua na cidade de Peruibe.
A., de 33 anos, conta que se sentiu humilhado quando frequentou o albergue municipal destinado ao acolhimento de pessoas em situação de rua: “Teve dia que me negaram comida, esperei duas horas por um banho, não tem vaga pra todo mundo”. Este tipo de trato desumaniza as pessoas e faz com que elas prefiram ficar na rua. O imaginário de que as prefeituras fazem um favor a essa população através de albergues e que qualquer coisa é melhor que a rua faz com que a diáspora dos centros de atendimento seja justificada de forma genérica e abstrata: “não se adaptam”. No entanto, essa não adaptação possui raízes bastante concretas.
Mesmo com as situações de extremo frio, fome e abandono, criou-se um forte vínculo entre os moradores de rua. Cada um deles conhece a história dos outros, se consolam na tristeza, assim como compartilham as poucas alegrias que podem ter. A., que foi para a rua para não trazer sofrimento aos pais após episódios de depressão que o levaram a cometer pequenos furtos de fios de cobre, diz que essas são coisas que os funcionários municipais não sabem nem pretendem entender. Ele prossegue relatando como os cachorros do grupo são bem cuidados, pois deixam de comer para dar aos cães que guardam seu sono.
Um atendimento efetivo à população de rua precisa ser feito de forma humana, procurando a conservação dos elementos afetivos. Afinal, quando o material é negado, tudo o que lhes sobra é o afeto e companheirismo. Portanto, é imprescindível que haja vagas para todos, assim como para seus animais de estimação.
Invisibilizar e ocultar é uma estratégia que “resolve” o problema jogando o mesmo pra mais longe dos olhos da boa sociedade. “Se expulsar nós daqui, vamos pro pontilhão, vamos procurar outro lugar”, como dizem.
Em, 2019 o censo de distribuição de famílias em situação de rua no Cadastro Único apontava o estado de São Paulo com a maior porcentagem de todo o país disparadamente, com 45% do total. A situação continua agravando-se segundo os dados do Movimento Estadual de Moradores de Rua do Estado de São Paulo, dado que a capital mais rica do país já despejou mais de 3,3 mil famílias desde o início da pandemia. Tudo isto apesar das decisões judiciais que barram despejos durante a pandemia.
Este não é um problema novo. As distorções econômicas do Brasil fizeram com que, apesar do crescimento do Produto Interno Bruto, o aumento de salários não acompanhasse a valorização dos imóveis e aluguéis. Ou seja, apesar do boom da nova classe média em tempos petistas, os debaixo nem alugar uma moradia precária conseguiram. Por esse motivo, o número de pessoas em situação de rua explodiu entre 2012 e 2019.
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