Em defesa das universidades, contra o entreguismo e a austeridade

Em defesa das universidades, contra o entreguismo e a austeridade

02/09/2020 Off Por Equipe Tribuna

Enquanto o governo federal avança com mais cortes e privatizações nas universidades, em plena pandemia, os mais ricos ficam ainda mais ricos.  Para “solucionar” a crise, o Estado entrega de “bandeja” áreas estratégicas de pesquisa nacional.

 

por Antônio Soares

Vivemos atualmente uma crise sanitária que se soma a uma anterior crise econômica. O desenvolvimento dessas crises resultou em um enorme problema social que aprofunda as desigualdades do nosso país a partir de um acúmulo cada vez maior de riquezas nas mãos de poucas pessoas.

Por exemplo, dados recentes mostram que 42 billonários do Brasil eriqueceram cerca de 170 bilhões de reais durante a pandemia. Para ajudar a visualizar o tamanho do absurdo: 42 trabalhadores ganhando um salário de 10.000 (dez mil) reais cada um levariam mais de 31 mil anos para acumular o que os 42 bilionários ganharam em alguns meses (contando que todos guardassem o salário integralmente incluindo décimo terceiro). Fica ainda pior quando percebemos que esses super ricos nem mesmo trabalham.

Enquanto isso, a população trabalhadora real (eu, você e provavelmente todo mundo que conhecemos) sofre com o aumento da miséria e diminuição da qualidade de vida. O desemprego e a informalidade atingem mais de 40 milhões de pessoas. Em São Paulo (e em outros 24 estados), o número de pessoas que recebem auxílio emergencial é maior do que o número de pessoas com carteira assinada.

Austeridade econômica e dependência internacional

Frente a isso tudo, a política econômica executada por nossos governantes é voltada para que nós continuemos pagando essa conta enquanto os mais ricos continuam ficando mais ricos. Exemplos disso são as recentes reformas previdenciárias do governo federal e do governo estadual, somadas a falta de uma quarentena que preserve a vida da população. 

Isso claramente se reflete nas universidades. Mais do que isso, só com essa contextualização é possível compreender toda a complexidade dos ataques sofridos pelas universidades, o que nos permite construir uma luta por transformações verdadeiramente efetivas.

Os projetos do atual governo federal em relação às instituições federais de ensino superior podem ser resumidos em cortes de verba e concessão à iniciativa privada. Quando colocamos isso em perspectiva histórica fica claro que não é algo novo, apenas a radicalização de um processo que já vinha acontecendo anteriormente. Tudo fica ainda mais evidente quando olhamos para além das medidas voltadas diretamente para graduação e pós-graduação.

Austeridade e subserviência a potências estrangeiras, especialmente aos EUA, são elementos característicos do nosso país há muitas décadas, em que se destaca o período da ditadura empresarial-militar de 64. Mais de três décadas depois da redemocratização, o Brasil entrega a base militar de Alcântara aos EUA e vende gradualmente a Petrobras a preço de banana para o capital estrangeiro. É a perda do controle de setores estratégicos, eliminando qualquer possibilidade de soberania nacional e aumentando nossa dependência. 

Com isso em mente, o que podemos esperar que seja feito com respeito a formação de força-de-trabalho altamente qualificada? E quanto a produção científica, será possível conciliar produção de conhecimento e tecnologia avançada com o entreguismo?

 

Mais cortes, menos pesquisa, menos soberania

O projeto Future-se e os cortes no orçamento das universidades federais, dos institutos federais, do CNPq e da CAPES não são uma surpresa. Na verdade, casam perfeitamente com todos os outros projetos antipopulares de Bolsonaro, Mourão, Guedes e companhia. Todas essas coisas fazem parte de um fenômeno maior: a gestão da crise para privilegiar os grandes empresários, os latifundiários e os banqueiros, especialmente aqueles que vêm de países como os EUA.

Seguindo essa tendência, o Brasil está a caminho de ser uma grande fazenda controlada por monopólios estrangeiros. Infelizmente, não podemos contar com o atual governo de São Paulo para se opor a esse processo em escala local. Pelo contrário, ao olharmos o histórico do estado, encontraremos uma antiga política de desmonte da coisa pública que também tem se agravado na atualidade.

Dentro da pesada crise atual, a saída encontrada pelo governo é retirar dinheiro das universidades estaduais e da FAPESP, além de privatizar ou simplesmente eliminar diversas instituições públicas de grande importância como a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc) e o Instituto Florestal. Esse é o conteúdo do Projeto de Lei 529 de Dória, cujas consequências, caso seja aprovado, incluem aumento do desemprego e do abandono de parcelas vulneráveis da população.

De imediato, ocorre a redução da autonomia universitária e das possibilidades de atuação em conjunto com outros agentes públicos para sanar demandas da sociedade. Em última instância, essas medidas apontam para uma universidade mais elitista em questão de acesso, permanência e produção.

Não podemos perder de vista a dimensão econômica do papel da universidade na sociedade brasileira, que nas palavras do economista e sociólogo Ruy Mauro Marini, se dá pela “transmissão e mesmo criação, através da pesquisa, de técnicas de produção”. Dentre outras coisas, a universidade é responsável pela formação da força-de-trabalho altamente capacitada e pelo desenvolvimento científico e tecnológico que a economia requer para funcionar. Portanto, a intensificação das políticas de privatização e desnacionalização da economia estão diretamente ligadas ao desmonte das universidades públicas.

Sendo assim, a luta por uma universidade popular deve incorporar a defesa da soberania nacional e ser veementemente contrária ao neoliberalismo em todos os aspectos. Quando brigamos por melhores materiais de laboratório ou por aumento de verbas, devemos estar cientes de como esses problemas estão ligados a uma estrutura econômico-política dependente que condiciona nossa sociedade.


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