De quem é a culpa da repressão sofrida na última manifestação em São Carlos?

De quem é a culpa da repressão sofrida na última manifestação em São Carlos?

11/06/2020 Off Por Equipe Tribuna

por Marcelo Innocentini Hayashi

Após os acontecimentos do Ato Antifascista em São Carlos, diversas pessoas  questionaram as organizações  de esquerda da cidade sobre uma possível irresponsabilidade em chamar o ato sabendo das ordens judiciais que impediam a manifestação. 

Primeiro, devemos questionar se realmente faz sentido culpar as organizações populares pela ação das forças policiais e jurídicas do Estado, que historicamente sempre reprimiu as lutas populares. Segundo, é falsa a informação de que essas organizações foram comunicadas da suposta ordem judicial que impedia a manifestação. Por conta disso, proponho que analisemos mais a fundo essas questões.

A vida da população são-carlense já não é nada fácil, ainda mais quando se trata da parte mais pobre e periférica da cidade. Em situações como essa em que vivemos hoje, agravam-se ainda mais problemas latentes de uma sociedade que só se importa com os lucros dos ricos. A desigualdade social, a dificuldade de ter uma renda fixa e o racismo não surgiram com a pandemia do Coronavírus. Pelo contrário, são problemas sociais que já estão presentes na nossa sociedade há muito tempo e apenas foram intensificados pela pandemia.

Nos países em que a população é a prioridade do governo, como a China, Cuba e o Vietnã, a vida dos trabalhadores e trabalhadoras foi colocada acima da economia na tentativa de barrar a disseminação do COVID-19, tentativa essa que obteve sucesso. Nesses países vimos um planejamento centralizado, uma aplicação organizada das medidas mais adequadas de isolamento social, uma política sanitária eficiente, além de um forte sistema de saúde, universal e público, que já existia por lá.

Polícia na Praça do Mercadão armados para repressão

Já no Brasil o cenário que vivemos é de puro descaso e desalento. O presidente balbucia palavras com intuito de banalizar a gravidade da pandemia. Como quando questionado sobre o alto número de mortes por Coronavírus em que respondeu “o que posso fazer? É o destino de todos!”, ou quando diz que o novo vírus é “apenas uma gripezinha”. Frases como essa passam a permear o imaginário da população, que acredita na inexistência do Coronavírus ou questionam  por que não se divulga o número de casos recuperados da doença. Somos um dos países mais ineficientes no combate ao COVID-19, pois aqui o problema é tratado de forma individual e não é colocado na ordem do dia da política, da economia, da saúde e do sanitarismo.

Além de toda irresponsabilidade, as falas de Bolsonaro representam uma escolha política alinhada a um projeto que prevê a morte de parte da população em troca do lucro de herdeiros e patrões, esses que detém 99% da riqueza do nosso país em suas mãos. As medidas que o governo federal prometeu adotar para conter a pandemia não foram praticadas. Em uma de suas promessas, o atual governo afirmou que distribuiria milhões de máscaras compradas da empresa privada de um amigo próximo de Bolsonaro, mas até agora nada foi feito.

A política aplicada no combate à pandemia pelo governo Bolsonaro é uma política de genocídio, pois deixa a população a própria mercê, sem nenhum auxílio efetivo para passar por este momento. Se transforma em uma política que assassina diariamente milhares de pessoas pelo país, além do genocídio da população negra que sempre existiu. O mesmo genocídio que  acabou com a vida de pelo menos uma dezena de crianças no último ano, dentre elas o João Pedro, assassinado com um tiro nas costas dentro da sua própria casa.

João Pedro, de 14 anos, assassinado dentro da própria casa

Nesse momento, sair às ruas para defender nossos direitos é uma contradição colocada para os lutadores sociais do nosso país. Se por um lado devemos ficar em casa para evitar que o vírus se espalhe ainda mais, por outro lado as passeatas de apoio ao presidente Bolsonaro são legalizadas pela justiça brasileira, que muitas vezes faz vista grossa a essas ações. O que fazer diante disso? Permitir o avanço do fascismo e a continuação da política genocida de Bolsonaro até que uma vacina ou remédio sejam desenvolvidos?

Enquanto isso diversos trabalhadores e trabalhadoras são obrigados a sobreviver com apenas 600 reais de um auxílio emergencial que se mostrou ineficiente. Enquanto Luciano Hang, dono das lojas Havan, ganha auxílio emergencial mesmo tendo uma fortuna de milhões, milhares de famílias pobres não conseguem ter acesso ao dinheiro. 

Na realidade, aglomeração nunca foi proibida pela justiça, já que milhões de trabalhadores são obrigados a se aglomerar diariamente nos ônibus e vagões de trens a caminho do trabalho. O que é proibido são as manifestações populares que reivindicam melhoria de condições de vida para o povo trabalhador e que criticam a política assassina do governo.

Nesse contexto colocado, lutar nas ruas e na internet é um dever de todos aqueles que entendem a necessidade de colocar o interesse e a vida dos trabalhadores acima do lucro de grandes empresários e políticos corruptos. Enquanto somos coibidos de nos manifestar, os mesmos que impediram a realização do ato são aqueles que apoiam a flexibilização da quarentena e reabertura do comércio para que voltem a lucrar o quanto antes. Por isso, a culpa das ameaças de multa que recebemos pela Polícia Militar em São Carlos não pode ser das organizações de esquerda. Os únicos responsáveis  por distribuir multas pela Praça do Mercado são o Estado burguês e a própria polícia, seu braço repressor.

Inclusive, diversos vereadores apoiaram a medida de reabertura do comércio em sessão recente da Câmara Municipal. Temos hoje na cidade ônibus lotado rodando, comércios abertos e que não respeitam as medidas de segurança. E tudo isso é visto pela Prefeitura e Polícia, que não fazem nada. 

Atos em solidariedade e por justiça a George Floyd que vem ocorrendo nos EUA

Como apontar que o ocorrido na manifestação é consequência da irresponsabilidade das forças de esquerda da cidade, se a irresponsabilidade maior é desses capitalistas com o povo? Jogar a culpa de ações como essa para a esquerda é apoiar as ideias neoliberais e fascistas de governantes que já o fazem de todas as formas no cotidiano brasileiro.

Não há maior descaso do que o da política capitalista, neoliberal e fascista. O que estamos fazendo é gritar por nossas vidas, como um último recurso de apelo a nossa própria segurança, a nossa própria saúde, com o intuito de que mais pessoas se juntem a essa luta. Como disse Malcom X, “não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”. Nessa situação eu diria: não confundam a tentativa de sobrevivência do oprimido, com a escolha política do opressor. Sobreviveremos e estaremos novamente nas ruas para jogar o fascismo de volta a lata do lixo da história.


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