A história do fascismo em São Carlos e região

A história do fascismo em São Carlos e região

28/08/2020 Off Por Equipe Tribuna

A Intensa divulgação das ideias nazifascistas pelos seus governos nas décadas de 20 e 30 repercutiram com força em nossa cidade e na região. A rápida ascensão do fascismo no estado e os confrontos com os antifascistas marcaram uma disputa que chega até nossos dias.

  

O fascismo brasileiro não é uma simples importação europeia por imigrantes alemães, italianos ou japoneses, mas sim uma combinação de nossa segregação racial somadas as elaborações nacionalistas de extrema direita do nazismo e do fascismo italiano.

 Muitos imigrantes vieram para o Brasil nos finais do século XIX seja pelas iniciativas governamentais ou pela situação de pós guerra que afetaram tanto a Itália como a Alemanha.

Ao chegarem os imigrantes europeus se viram obrigados a se organizarem no que se conheceu como Socorro Mútuo. Imaginem chegar a um lugar onde o estado controlado pelas tradicionais famílias do café não davam uma mínima assistência que cobrisse saúde, educação e arranjos funerários; gerando assim dívidas impagáveis para as famílias de imigrantes.

Mussolini utilizou a embaixada brasileira, e principalmente o consulado italiano em São Paulo, para influir e organizar todas as associações de imigrantes baixo o fascismo. Cabe destacar a criação dos Fascios e da Dopolavoro, organizações exclusivas para divulgar as ideias fascistas para a comunidade italiana no Brasil. O primeiro Fascio foi fundado em São Paulo em homenagem a Filippo Corridoni, assassino do secretário italiano do Partido Comunista de Macerata. Pode-se tomar este fato como um marco fundador da institucionalização das idéias fascistas no país em 1923.

 

São Carlos, imigração e fascismo

Tanto em São Carlos, como em outras cidades, estas primeiras organizações de imigrantes italianos evoluíram para associações civis. Além de cumprir com um papel de assistência social, foram núcleo de cultura e influência política. O quadro de associados reflete a mudança social na comunidade italiana, onde os primeiros eram pequenos comerciantes ou proprietários de oficinas urbanas. Na década de 20 e 30 serão profissionais liberais, banqueiros e empresários. A não inclusão plena dos italianos no país não só criou associações de cuidados, mas também uma cultura de orgulho nacionalista que pretendia abrir portas para seus membros mas destacados. São Carlos estava entre os centros mais importantes para Partido Nacional Fascista.

Camisas negras, militantes do fascismo italiano na Società Dante Alighieri de São Carlos em 1930 (Fonte: Acervo da Fundação Pró-Memória de São Carlos)

 

Em abril de 1929, a Sociedade Dante Alighieri foi convidada pela Fascio local a participar da recepção do cônsul Mazzolini para a qual teve uma acalorada cobertura do Jornal Correio de São Carlos, conjuntamente com o Arcebispo da cidade benzendo o galhardete da “sessão fascio de S. Carlos”. A Societá Dante Alighieri exercia contatos fluidos, via correspondente local, com o jornal Fanfulla que passou a ser a principal publicação fascista no país, buscando hegemonia entre os italianos no estado de São Paulo.

 

Cinema fascista em São Carlos

Através do Instituto L´Unione Cinematografica Educativa, em 1931 chega às salas de cinema de São Carlos “um filme do alto comando militar (…) eis uma página verdadeira na história da Itália, que todo bom italiano deve assistir, para reviver o passado glorioso italiano”, destacou o Correio de São Carlos.

 

Fascismo e Integralismo em São Carlos

Tanto no jornal, como nas atas da associação, ficou registrado em março de 1933 as duas reuniões integralistas realizadas na Sociedade Dante Alighieri . “São Carlos também compreendeu a necessidade de secundar esse movimento. E, dessa maneira, já realizou várias reuniões, tendo a última se realizado no domingo passado, com boa assistência.”

Em 1937 chega-se a um acordo para unificar todas as sociedades italianas de São Carlos. Assim Vittorio Emanuele III, Depolavoro e o Fascio local deram origem a Casa d’Itália; uma iniciativa do estado italiano para alinhar a todos os italianos no Brasil ao fascismo. Esta seria dirigida pelo próprio vice-cônsul de Campinas, Germano Castellani.

 

Nazismo, Fascismo italiano e Integralismo

Os próprios nazistas alemães coordenaram a criação de unidades partidárias no Brasil. Não pretendiam disputar eleições, mas sim apresentar-se como representantes oficiais do partido nazista. A primeira seção brasileira do Partido Nazista é criada em junho de 1928 em Benito Timbó, Santa Catarina. Chegaram a ter filiais em 17 estados, com preponderância no Sul e Sudeste e destaque para São Paulo e Santa Catarina, com um total de mais de 2 mil membros no país. A partir de 1930 foi requisito ser alemão de nascimento para pertencer ao mesmo. Com o Integralismo surge uma irmandade que levará a muitos jovens descendentes de alemães nascidos no Brasil às filas da Ação Integralista Brasileira. Em Santa Catarina foi comum que ambas organizações nazifascistas funcionassem no mesmo lugar.

Esta irmandade é notada e destacada também pelo embaixador italiano Cantalupo: “Impressionante é o número de filhos italianos que aderem ao Integralismo, principalmente, é claro, no estado de São Paulo (…). Eles aderem (…), mas também porque a amplíssima dosagem de italofilia que Plínio Salgado, com grande habilidade, põe constantemente dentro da propaganda do movimento”.

Em Araraquara não foi diferente com a Sociedade Italiana Unida, em sua ata de 1935 se lê claramente: “Para festejar o 28 de outubro, data da Marcha sobre Roma, o Fascio e a nossa Società organizaram um entretenimento para honrar o nosso cônsul Vecchiotti.” Que tão unidos eram? “A nossa sede, que é também a do Fascio, constitui verdadeiramente a casa dos italianos”.

Também existiram aqueles como Alciomondonte Bonfigli, sócio da Societá Italiana Gabriele D´Annunzio, que em assembleia disse: “quero a minha demissão do quadro de social, porque não desejo mais continuar como sócio e o motivo é o seguinte: aqui se trata somente de um partido fascista”, em janeiro de 1927. No entanto, a linha continuaria fascista como consta nas atas de 1931: “cultuando sua paixão pela Pátria, pelo Rei e pelo Duce, Benito Mussolini, que com trabalho e vontade tenaz, tem elevado ao nome da Pátria todo respeito.”

 

O Integralismo como síntesis brasileira do nazifascismo

As crises que desembocaram na 1ª Guerra Mundial, seguida do crack da bolsa de Nova Iorque, levou a falência o país do café, que estruturou uma sociedade brasileira racialmente dividida, onde fazendeiros exportadores excluíam a maioria da população negra e imigrante de seus direitos políticos, sociais e econômicos. Estavam abertos os caminhos para um fascismo brasileiro com Plínio Salgado e seu Integralismo.

Vargas e o governo provisório tinham simpatias e acordos mútuos com representantes tanto nazistas como fascistas italianos, portanto não existia a necessidade de partidos legais, a influência em círculos de poder e a divulgação ideológica do nazifascismo já eram suficiente. No entanto uma nova geração nascida no país pretendia mais participação que as dos fechados círculos de imigrantes onde a hierarquia primava aos nascidos na pátria distante.

Estas aspirações serão canalizadas por Plínio Salgado na criação do maior partido fascista fora da Europa, Ação Integralista Brasileira.

Realizando uma síntese entre as ideias nazifascistas e as condições históricos culturais do Brasil daquela época, o líder integralista Salgado organiza um partido de massas a nível nacional com uma forte adesão militante e apoio político. Em 1933, 40 mil integralistas marchariam nas ruas de São Paulo encarnando toda a liturgia fascista com suas camisas-verdes, saudações, bandeiras da Sigma, entre outras.

Para os nostálgicos fascistas brasileiros, Rio Claro será para sempre a Cidade Integralista na lembrança de Plínio Salgado: “Encontro ali, em Rio Claro, (…) a primeira (cidade) do Brasil onde se vestiu a camisa-verde. A sede está regurgitando de soldados do Sigma. É noite e temos pressa de atingir São Carlos.”, Cartas aos camisas-verdes, 1935.

 

Propaganda da Semana Antifascista pendurada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro

 

Os embates integralistas e antifascistas

Tanto as manifestações integralistas como os acenos do governo aos regimes nazifascistas mobilizaram a esquerda e sindicatos para frentes ou acordos momentâneos para ações antifascistas.

Os embates foram subindo entre fascistas e antifascistas, até que no dia 3 de Outubro, em Bauru, ante uma manifestação integralista com a presença do líder Plínio Salgado, o Sindicato dos Empregados e Operários da Estrada de Ferro organiza uma contra-manifestação uma hora antes. Durante o desfile que buscaria a Plínio Salgado no hotel para sua “palestra doutrinária” se deu o confronto onde morre de um disparo um militante integralista.

Com repercussão nacional do confronto de Bauru, a que seria a marcha sobre São Paulo organizada pela AIB esquentou ainda mais os ânimos entre fascistas e antifascistas.

 

Batalha da Praça da Sé

Para a comemoração dos dois anos do manifesto integralista a AIB convocou uma concentração frente à Catedral da Sé.

Comunistas, anarquistas, trotskistas e socialistas chegaram ao acordo para impedir a manifestação marcada para o dia 7 de outubro de 1934. Já era sabido que não só a polícia reforçaria sua presença armada, senão que os integralistas estariam armados para um possível confronto.

No Sindicato dos Empregados do Comércio, com 40 militantes presentes, se organizaram duas comissões, uma civil, para a mobilização, e outra militar para uma possível confrontação armada.

Os testemunhos da época divergem sobre como tudo começou. No entanto o choque aconteceu entre os antifascistas e integralistas, disparos foram dados por ambas as partes e uma das vítimas foi Décio Pinto de Oliveira, estudante de direito e militante da Juventude Comunista.

No fim de tarde, às 17hs, os integralistas debandaram deixando para trás suas camisas-verdes pelas ruas do centro para evitar serem identificados por antifascistas.

 

O fascismo brasileiro e seu presente

O Integralismo continuou crescendo com apoio variado, inclusive do próprio governo provisório, chegando a conquistar 8 prefeitos e muitos vereadores em Santa Catarina nas eleições de 1936. Apesar da aproximação, dos contatos e inclusive de uma promessa de que Plínio Salgado seria ministro de educação no futuro governo que surgiria do golpe de 1937, o giro tomado por Vargas e seus próximos deixaram os integralistas de fora do Estado Novo (idealizado em parte pelo próprio Salgado). Isto influenciou alguns integralistas a realizar uma intentona golpista que deu a oportunidade a Vargas de isolar e desmantelar ainda mais a AIB, proibindo a mesma e mandado seu líder a um confortável exílio na Portugal fascista de Salazar.

O nazifascismo foi trocando de roupagem através do tempo, seja com Partido Nacional Socialista Brasileiro de 1988, seja com Partido de Reedificação da Ordem Nacional de Éneas Carneiro ou hoje encarnado no bolsonarismo.

O fascismo nunca nos deixou, mesmo desarticulado em alguns momentos e em outros a reboque da direita tradicional, mas hoje ressurge como força política principal rebocando a direita tradicional.