Beth Carvalho: uma vida de samba e luta
20/08/2019Texto escrito por Will Mazzini*
No dia 30 de abril de 2019 calou-se uma das mais potentes vozes do samba e da luta: Beth Carvalho faleceu aos 72 anos, depois de muita luta contra sérios problemas de saúde que ocuparam sua vida e rotina nos últimos anos.
No entanto, Beth não se calou nem por um segundo até seu derradeiro suspiro. Não deixou de se posicionar frente a grandes acontecimentos políticos e tampouco se afastou de seu público e do Samba, os grandes motores de sua vida. Em setembro de 2018, extremamente debilitada por uma doença na coluna, foi ao encontro dos seus fãs e protagonizou uma das mais fortes imagens da música brasileira de todos os tempos. Deitada num divã, rodeada pelo grupo Fundo de Quintal, Beth entoou seus clássicos que, como nunca, tocaram a platéia e despertaram no seu público o sentimento de estar vivendo um momento único, não pelo inusitado fato de uma cantora fazer um show deitada, mas sim por ver o imensurável esforço de uma das maiores artistas que já andaram pelas terras brasileiras na tarefa de levar sua arte ao povo.
Elizabeth Santos Leal de Carvalho não travou longas lutas apenas contra problemas de saúde, foi também implacável na luta por justiça social e igualdade. Enquanto influente musicista, deu voz aos cantores do povo e os ajudou a trilhar o caminho tortuoso da carreira artística. Ajudou Nelson Cavaquinho a deixar de tocar apenas por comida, auxiliou Cartola a não necessitar mais de seu emprego de servir café em repartição pública os tirando do ostracismo e da fome. Deu visibilidade ao grupo Fundo de Quintal, hoje um dos maiores e mais influentes grupos de samba. Enquanto artista, não duvidou sequer por um minuto de como se utilizar de sua visibilidade. Não se calou diante do golpe parlamentar que era orquestrado em 2016 contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, da mesma forma que não ficou em silêncio quando um golpe semelhante começava a se desenrolar na Venezuela. Nunca escondeu sua admiração por figuras como Fidel Castro, Hugo Chávez, Che Guevara e Brizola, tendo este último como amigo particular. Era apoiadora irrestrita do MST na extenuante luta pela questão agrária contra o latifúndio no país. Levou aos palcos do Brasil e do mundo as reinvindicações de seu povo e não houve nada que fizesse desistir de cantar e lutar por seus ideais.
Infelizmente a forte madrinha do samba não pôde transpor todos seus obstáculos e deixou a cultura popular órfã de suas engajadas contribuições, mas não levou consigo seu legado. Não apenas deixou sua força para quem amadrinhou, como Zeca Pagodinho e Dudu Nobre, como legou aos que sonham com um futuro sem opressão a persistência e resistência de quem, em 72 anos de vida, não se intimidou por nenhuma hostilidade.
Em seu funeral, a voz de Beth ecoou nas caixas de som espalhadas pelo salão do Botafogo Futebol Clube, uma de suas paixões. Hoje sua voz ecoa na garganta de todo aquele que ousa lutar por um mundo novo.
*Will é graduando em Ciências Sociais na UFSCar e saxofonista da banda Papaya Libre
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