Seletiva regional do CPBMC na região 016 demarca a importância da cultura Hip Hop
28/08/2024A seletiva regional do CPBMC (Circuito Paulista de Batalha de MCs) na região 016 do estado de São Paulo reuniu centenas de pessoas para celebrar a cultura Hip Hop em Ribeirão Preto, no dia 18 de agosto (domingo). A etapa faz parte do campeonato nacional de batalha de rima, garantindo um representante da região na disputa do estadual.
O evento, que ocorreu no GOA Lounge, foi organizado pelo próprio CPBMC e pela Batalha Sangue na 7, que ocorre semanalmente, todas quintas às 19h30 na cidade. Com um movimento muito vivo, agentes culturais de várias cidades da região marcaram presença para prestigiar os e as artistas presentes.
Na batalha de rima participaram MCs de São Carlos, Ribeirão Preto, Araraquara e Franca. Os MCs garantiram suas vagas em “seletivas de rua”, realizadas pelas batalhas da região cadastradas no circuito. Além disso, houve discotecagem com DJ Duh França e pocketshow dos artistas locais, Bubba e Jovem Kata.
Muito além de celebrar o movimento cultural Hip Hop, que é muito importante para a classe trabalhadora devido ao seu conteúdo de luta, a seletiva também chamou a atenção para a necessidade de mais investimentos em cultura e no próprio movimento Hip Hop. Como uma cultura que floresceu nas periferias e guetos do Brasil, o Hip Hop luta contra a toda manifestação do reacionarismo e a inserção de figuras burguesas em movimentos populares, como temos observado nos recentes acontecimentos envolvendo candidaturas da direita no funk.
O que é o CPBMC?
O Circuito Paulista de Batalha de MCs (CPBMC) é um circuito que acontece de forma independente no estado de São Paulo. Já está na sua sexta edição e tem o objetivo de selecionar quem representa São Paulo no Duelo Nacional de MCs, além de colocar MCs de todo estado numa corrida pela evolução e superação, promovendo e multiplicando a cultura Hip Hop por onde passa.
No regional da 016, tivemos a participação de 16 MCs. Residentes de São Carlos, foram classificados: Puma, Stevan, Zemaki, Satsu, Shangai e Paul. De Araraquara vieram: Jhow, Gomez e Akira. De Ribeirão Preto: Bubba, Jimmy e Haiki. E de Franca: Last, Nevas, Doctor L e Tyrano. O campeão da noite e classificado para o estadual foi o Tyrano.
Mamuti, apresentador do CPBMC e MC, falou sobre o movimento na região, apontando que “é uma cena muito movimentada, com uma veia do Hip Hop muito forte”. Ressaltou a integração entre os agentes culturais desde a geração anterior, que formou os novos artistas que têm aparecido todos os anos. Ele também lembrou da antiga Batalha do Mercadão, que acontecia nas décadas passadas em São Carlos, e que foi a primeira a reivindicar uma vaga para o estadual na região da 016.
Poeta, MC e intérprete de Libras, Zemaki falou sobre a diversidade na representação dos MCs de São Carlos dentro do regional, com mulheres, pessoas trans e juventude negra. O MC Paul ressaltou a sua primeira participação no regional como um aprendizado para sua experiência de poeta e MC de batalha, e indicou que a participação de São Carlos só tem a aumentar nos próximos anos.
Puma MC comentou sobre a importância das batalhas para a mudança de vidas dos artistas da cena regional, enquanto o Satsu MC também falou sobre a importância da melhora coletiva de todo mundo que participa das batalhas na quebrada, para chegar em alto nível nos eventos maiores.
Estreante no regional, o MC Shangai falou que a representação de cada cidade foi muito boa, e que aprende muito na troca com os MCs de outras cidades. Stevan, o MC mais experiente de São Carlos presente no evento, comentou sobre o cenário forte que a cidade construiu no último período, que permitiu o fortalecimento do movimento e a alta representatividade de São Carlos no evento.
Investimento em cultura
MCs e agentes culturais presentes no evento falaram para a reportagem sobre o cenário de baixos investimentos em cultura urbana que vivemos no país. Diversos coletivos, grupos e agentes culturais que foram selecionados em editais do Ministério da Cultura (MinC) estão sem perspectiva de pagamento da sua premiação. Em nota oficial, o MinC diz que “o pagamento dos prêmios está condicionado à existência de disponibilidade orçamentária e financeira”. O modelo econômico vigente, baseado na austeridade fiscal e o Novo Teto de Gastos do governo federal tem limitado muito os investimentos em cultura (assim como em outras áreas sociais como educação e saúde), enquanto favorece o setor financeiro e interesses privados em detrimento da cultura urbana.
O MC Stevan disse: “infelizmente, a cultura é algo como um todo negligenciado, é uma coisa ignorada, uma coisa que não tem a devida relevância na vista das pessoas que tem o poder, e a gente fica a mercê disso”. Ele também apontou que os atletas do freestyle têm que tirar o dinheiro do bolso, por conta da falta de apoio, e “provando que a cultura está cada vez mais sucateada”. Paul MC disse que é “necessário rever isso mesmo, de onde está sendo destinado o dinheiro e quais ações o governo pode tomar”, porque o “movimento cultural […] se tratam de sonhos, se tratam de vidas, se tratam de espaços de voz, se trata de diversidade, que é justamente com esse teto de gastos que ocorre esse sucateamento”.
Já o Shangai MC falou que “tem que realmente escorrer ‘sangue’” deles para algo mudar, comentando também sobre o aumento da violência policial contra a juventude. Satsu disse que “deveria ser óbvio” que os movimentos culturais podem trazer trabalho para as pessoas periféricas, e sem o investimento a juventude fica seduzida, por exemplo, pelo trabalho ilegal no tráfico.
A MC Zemaki criticou a burocracia para o recebimento das verbas empenhadas, e ressaltou a marginalização de certas culturas, e questiona: “o que a cultura está valendo dentro desse espaço político, sendo um ato político?”. E finalizou: “Artista é trabalho e o trabalhador merece respeito pelo que ele faz. Esse descaso com os pagamentos e esse descaso com pouco incentivo, acho que é fruto de uma cultura elitista, do que eles enxergam como arte, muito mais do que algumas escolas, que inclusive querem militarizar. A batalha é um espaço de acolhimento, onde muitos jovens periféricos não conseguem pagar um psicólogo e cuidar da sua própria cabeça. Estar dentro de uma batalha é um espaço político, mas quem da política olha para o espaço, tá ligado?”.
Mamuti disse que está há seis meses esperando sair sua verba da Lei Paulo Gustavo, no município de São Paulo, o maior das Américas. Ele também criticou o destinamento de verba de 19 milhões para um só musical, enquanto outros são relegados. “Existe investimento em cultura; Não existe investimento em que cultura? Tá ligado?”, disse o mestre de cerimônias da noite. E ainda completou: “A melhor forma de você matar uma cultura é abafando a educação, fazendo as pessoas não se reconhecerem. […] Se a gente não tem dignidade para executar o nosso trabalho, eles não precisam nem matar a gente, a gente se mata…Porque, infelizmente, o final de gente que trabalha com o que a gente trabalha, muitas vezes, pela frustração ou pela falta de dignidade, é esse”.
Parte dos MCs entrevistados também comentaram sobre o projeto de militarização das escolas pelo estado, demonstrando sua insatisfação e revolta com essa política que ataca diretamente a juventude periférica, e em sua maioria preta, que muitas vezes também são as mesmas pessoas que ocupam os espaços das batalhas de rima.