Faltam ônibus para os estudantes da USP São Carlos

Faltam ônibus para os estudantes da USP São Carlos

19/03/2024 Off Por Colaborador/a

Estudantes têm perdido aula por falta de ônibus entre as áreas 1 e 2 da USP São Carlos. Desde o dia 04 de março, quando os ingressantes deste semestre começaram a ter aulas, alunos e pesquisadores têm ficado do lado de fora dos poucos ônibus disponibilizados pela prefeitura do Campus, pois lotam facilmente. Com horários escassos, não há alternativa além de utilizar transporte de aplicativo, andar mais de uma hora, ou perder aula.

Por Davi Bessa

Desde o ano passado, os ônibus são terceirizados, uma mudança que, segundo a prefeitura do Campus, visava a renovação da frota e a escassez de motoristas devido a aposentadorias. No entanto, os resultados não têm sido satisfatórios e a comunidade universitária clama por uma revisão nas políticas de transporte.

As principais demandas dos estudantes é pelo aumento do número de ônibus e da oferta de horários. O corpo discente, com representantes de Secretarias Acadêmicas(SAs), do CAASO (Centro Acadêmico Armando Sales de Oliveira, C.A. unificado do campus) e da Associação de Pós-Graduandos (APG), cobraram então a adoção dessas medidas em reunião com a Prefeitura do campus em 30 de janeiro. A questão seria orçamentária. Cada horário adicional custaria, segundo a Prefeitura do Campus, cerca de R$30.000, mas essa opção tem sido evitada. Tentar atender às demandas dos horários dos alunos sem aumentar a frota levou à adoção de um esquema de horários complexo e ineficiente. Esse novo esquema não agradou os alunos, que têm perdido ônibus todos os dias por choque de compromisso ou por lotação.

O terceirizador paga mais caro

Desde o ano passado o serviço de ônibus da USP São Carlos é terceirizado. A terceirização do serviço ocorreu por dois motivos principais: 1) A necessidade de renovação da frota de ônibus e 2) a falta de motoristas para realizar o serviço, por motivos de aposentadoria. A resposta, então, foi contratar uma empresa com frota própria, pois seria mais eficiente. Mas será que foi mesmo?

Ainda na reunião de 30/01, os alunos foram informados que no ano passado foram gastos mais de 1 milhão de reais com o serviço de transportes da USP, e que à época da terceirização uma nova frota foi cotada, e 4 ônibus novos que durariam ao menos 10 anos com baixa manutenção, custaria entre 1,6 e 1,8 milhões de reais. Mesmo considerando os gastos com pessoal, diesel e outros custos, a operação própria ainda sairia mais econômica. A possibilidade de aumentar os horários seria maior com uma frota própria, o que levanta a questão: por que optaram pela terceirização?

Por que a USP não contrata?

Em 2011 as despesas da USP ultrapassaram o repasse do tesouro, tendo um défcit nas contas. Em 2014 os gastos com pessoal sozinhos superaram esse repasse. A USP, então, entra em desequilíbrio orçamentário. Gastos com pessoal são gastos obrigatórios do estado, e esse desequilíbrio desagradou o governo tucano à época. A solução da reitoria da época (Sob a Admnistração Zago) foi Cortar o pessoal e acabar com as contratações.. A partir daí começam a se extinguir cargos [1] e instauram um Programa de Incentivo à Demissão Voluntária [2], tentando enfraquecer o movimento dos servidores não docentes que lutavam pelo seu direito de trabalhar.

É nesse contexto que a maior onda de terceirização de serviços da USP, e são concedidos à iniciativa privada os Bandejões, inclusive na USP São Carlos. Os alunos lutaram contra isso [3], mas a reitoria não cedeu. Tentou, inclusive, expulsar 9 alunos [4] para criar exemplos, para domesticar os estudantes. “Não adianta lutar por melhorias, e se lutar vai ser punido” é o que tentaram gravar na cabeça dos estudantes.

A USP então parou de realizar concursos e os serviços prestados começaram a ter problemas. Em 2017, por exemplo, a USP fechou a creche Oeste sem diálogo com a comunidade [5]. O objetivo da USP é neste momento dificultar a vida dos trabalhadores para forçar uma Demissão Voluntária. Essa falta de concurso, enquanto o número de alunos aumenta vertiginosamente, faz com que a USP tenha um déficit absurdo de professores ao longo de 10 anos, o que acaba estourando ano passado em greve [6].

É por conta desse histórico, e com o objetivo de reduzir a folha de pagamento da USP, que tem sido feito esse movimento de não contratar mais motoristas. Espera-se que os motoristas que estão agora fiquem sobrecarregados e que um dia (o quanto antes, de preferência)se aposentem, até que o serviço de transporte da USP seja apenas uma memória que as gerações estudantis que passam apenas poucos anos aqui irão aos poucos esquecer. Se a USP não contrata motoristas e não tem motoristas o suficiente para fazer o transporte dos ônibus, não há porquê comprar ônibus, mesmo que isso gaste menos.

A USP já atingiu o equilíbrio das suas contas, tendo inclusive superávit. A reserva patrimonial de contingência, por exemplo, já ultrapassa 2 bilhões de reais [7]. A terceirização dos serviços de ônibus não acontece por forças do além que impedem a decisão mais econômica, ela explode justamente por conta de um projeto político privatista que está prestes a terceirizar o serviço de polícia patrimonial da USP (PPUSP).

A política da USP é a política de São Paulo

Todas as gestões de reitoria da USP que tivemos esse século são de continuidade. Mesmo as de “oposição”: Carlotti era pró-reitor de pós-graduação de Vahan Agopyan até 2021. Quem escolhe o reitor? A comunidade vota, mas a decisão é do governador. Para se manter no cargo, é necessário ter o apoio do governo do estado. Até os mais “bem intencionados”, então, jogam o jogo. São Paulo foi governada por 28 anos pelo PSDB e agora é governada por Tarcísio, do Republicanos, o “Thor” das privatizações. É projeto político transformar tudo o que for possível da universidade em privado, para num momento de fraqueza e diminuição do repasse, que esses serviços sejam cortados. Em 2020 o governo Dória tentou realizar uma diminuição de repasse [8]. A burguesia paulista vai tentar cada vez mais sucatear a USP.

Qual o rumo das lutas pelo transporte?

Em pesquisa realizada pela APG USP Sanca em parceria com o CAASO, alunos cobram por dezenas de novos horários. Mesmo antes da mudança dos horários, os que conseguiam pegar o ônibus chegavam atrasados nas aulas. É preciso que a prefeitura do campus ceda 2, 5 ou 10 horários, a depender da força da luta estudantil e dos acordos que sejam feitos, para que o corpo discente tenha condições de estudar.

A conquista de mais horários de ônibus na USP São Carlos seria apenas o primeiro passo em uma batalha por uma universidade verdadeiramente pública e acessível a todos. A reestatização dos serviços, incluindo bandejão, transporte, limpeza, segurança, e outros, é essencial para garantir uma educação de qualidade e um ambiente propício ao estudo e à pesquisa. Alguns dizem que essas não são “atividade fim” da universidade, mas lecionar para os alunos que ficam presos na parada de ônibus por conta de lotação e não tem condições de pagar por um transporte privado não faz parte da atividade fim da universidade? Sem esses serviços, não se garante a manutenção do ensino, da pesquisa, da administração e da irrisória extensão que a USP realiza.

Os alunos não podem aceitar mais desculpas daqueles que afirmam não ter poder de mudança, como é o que se houve nas reuniões do Conselho Gestor do Campus de São Carlos (CGCSC). Os diretores de instituto têm representação no conselho universitário, órgão máximo da USP, e não se posicionam por mudanças. Professores, diretores de instituto, estudantes, servidores técnico-administrativos e trabalhadores terceirizados, todos têm o poder e a responsabilidade de lutar por uma USP que sirva verdadeiramente ao povo.

Fortalecer o serviço público da universidade é a luta interna que deve ser feita e é o objetivo político a médio prazo dos estudantes, e da gestão CAASO Popular. Mas é preciso entender que essa luta está ligada ao direito à cidade e à integração municipal. A questão central é garantir essa integração. São Carlos, precisa de um serviço municipal, estatal, gratuito e de qualidade em São Carlos. Um serviço que tenha linhas o suficiente entre o Campus 1 e 2 da USP, mas que também consiga ligar o Aracy ao Douradinho sem demorar horas entre um ônibus e outro.

É preciso também que esse sistema funcione também nos fins de semana, para deixar a cidade acessível a todos. É necessário que seja gratuito, para que o poder econômico não seja uma barreira para usufruir a cidade, do seu trabalho, da cultura, do lazer e da vida política. Ibaté, município da região, já implementou o passe livre [9]. Embora Ibaté seja pequena e o modelo de gestão aplicado lá não seria possível em São Carlos, cidades maiores que São Carlos e com um PIB menor, como é o caso de Caucaia-CE, também já implementaram o Passe Livre [10].

O sistema de ônibus de São Carlos precisa ser público e gerido pelos trabalhadores, com participação popular. Essa é a única forma de as demandas da população serem supridas sem precisar passar pelo jugo de licitações descabidas, montadas para que não haja competição, e resolvidas por acordo prévio. Além disso, é a única forma de os motoristas conseguirem condições dignas de trabalho pelas quais têm lutado [11]. As demandas dos motoristas da empresa terceirizada São Parecidas, e até com a dos motoristas da USP, que lidam com as consequências do sucateamento. É preciso que seja de qualidade, e que haja o correto alocamento de recursos para tal.

É preciso entender que a luta, no fim das contas, é contra as classes proprietárias que dominam o estado.

Referências

[1] USP faz mais mudanças na sua cozinha (parte 2) – Jornal do Campus, 2015.

[2] D.O.E.: 14/11/2014 – RESOLUÇÃO Nº 6987, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014.

[3] Ocupação em São Carlos – Jornal do Campus, 2015.

[4] USP instaura processo e 9 alunos que ocuparam prefeitura do campus de São
Carlos podem ser expulsos. G1, 2017.

[5] Fechada e ocupada há 5 anos, Creche Oeste tem polêmica proposta de
reabertura. Jornal do Campus, 2015.

[6] Fim da greve na USP: Atenções voltadas para o cumprimento das promessas.
Jornal do Campus, 2023.

[7] Conselho Universitário aprova aumento de 58% nos recursos para programa de
permanência estudantil para 2023. Jornal da USP, 2022.

[8] PL do governo Doria saqueia recursos da USP, Unicamp, Unesp e Fapesp.
Andes, 2020.

[9] Ibaté implanta Tarifa Zero no transporte coletivo a partir de outubro. Prefeitura de
Ibaté, 2023
.

[10] Ônibus vão ter passe gratuito a partir de setembro em Caucaia, na Grande
Fortaleza. G1, 2021.

[11] Motoristas de ônibus paralisam transporte coletivo em São Carlos. Tribuna
Sancarlense, 2024.