Por que a greve dos professores em Araraquara?

Por que a greve dos professores em Araraquara?

04/05/2021 Off Por Equipe Tribuna

Entre as reivindicações dos grevistas está a vacinação de todos profissionais da educação e condições sanitárias em todas as mais de 60 unidades escolares da rede municipal.

 

O prefeito Edinho Silva (PT) determinou, através do decreto 12.519 de 18 de março, o retorno dos profissionais da educação de Araraquara (professoras, merendeiras, faxineiras, diretoras, secretárias, etc.) ao trabalho presencial para o dia 5 de abril e a retomada das aulas presenciais para o dia 12 de abril. Em função do cenário pandêmico, as aulas presenciais em Araraquara estavam suspensas desde 23 de março de 2020. 

Segundo o prefeito, o retorno é necessário para atender famílias vulneráveis socialmente. A secretária da educação Clélia Mara afirma que a orientação é de que a volta seja opcional para os alunos e de forma parcial: apenas 35% da capacidade da sala pode ser lotada. Ainda assim, não há apoio nem opção para os servidores públicos. 

O retorno da comunidade escolar ocorre em meio ao pior momento da pior crise sanitária brasileira: alta ou completa ocupação de leitos e falta de materiais nos sistemas de saúde público e privado, além da falta de vacinação e testagem em massa da população. 

A medida da prefeitura segue os interesses do governo Dória e contradiz as próprias atuações do prefeito Edinho, conhecido como o “Prefeito do Lockdown”, que chorou no Fantástico (programa da Rede Globo) ao se emocionar com a morte de milhares de pessoas. Seu decreto autoriza a comunidade araraquarense a contribuir para o aumento do número de mortos, haja visto que não colocou em prática medidas sanitárias e pedagógicas adequadas ao retorno das aulas. 

Em virtude disso, os professores e profissionais da educação, através do Sindicato dos Servidores Municipais de Araraquara e Região (SISMAR), decidiram em assembleia realizada no dia 3 e iniciaram no dia 5 de abril uma Greve Sanitária. Os objetivos são a proteção da vida dos profissionais da educação, seus familiares, e da comunidade escolar em geral. 

 

Educação em luta

Entrevistamos a professora de pseudônimo Olga, que preferiu manter o anonimato, da rede municipal de Educação, e ela esclarece a postura do prefeito: “Apesar de seu discurso e estética bonita, salvadora, ao lidar com os setores envolvidos no retorno, sua postura é autoritária e pouco aberta a diálogos, provando uma desconsideração total com a vida dos funcionários públicos, de suas famílias, e das famílias assistidas pela rede de educação municipal, não vistos por ele como dignos de direitos básicos de manutenção da vida da população que deveria defender”. 

Ela acrescenta: “Há um grande despreparo para o retorno no modelo híbrido: o decreto veio no meio de um feriado, sem aviso prévio e logo também sem organização; não havia Equipamento de Proteção Individual (EPI), que inclusive é garantido por lei para os profissionais da educação; não houve treinamento para lidar com a comunidade escolar, e muitas unidades não têm condições estruturais, como sabão e álcool em gel suficientes para atender a comunidade.” 

Em lives promovidas pelo SISMAR, os médicos convidados, Dr. Ulysses de Matos e Dr. Domingos Alves, explicaram, baseados em estudos e levantamentos científicos feitos ao longo de 2020, que não há garantia de segurança, mesmo com apenas 35% dos alunos em sala, devido à falta de ventilação adequada e alto grau de espalhamento (disseminação) do vírus. Eles ainda ressaltaram a dificuldade em manter distanciamento entre crianças pequenas, em impedi-las de tirar as máscaras como também em impedir o contato dessas crianças expostas ao vírus, com o núcleo familiar. 

Edinho ataca a greve dizendo que os professores não se importam com a educação e a vida dos alunos, no entanto Olga lembra que em nenhum momento os professores pararam de atender os alunos: “Fazemos o atendimento em qualquer horário do dia e aos finais de semana também; a nova cepa afeta com mais força as crianças e jovens, podendo causar grandes danos neurológicos e permanentes. A Greve é pela vida dos trabalhadores, famílias e crianças”. 

O cenário que culminou na greve já foi indicado em janeiro, quando os professores foram surpreendidos durante as férias com uma entrevista da Secretária de Educação, afirmando que o retorno das aulas presenciais se daria no dia 1 de fevereiro. 

Entrevistamos também a professora Bernadete Couto, Diretora Seccional de Educação do SISMAR e professora de educação básica 1, que contribui com a fala da professora Olga sobre a greve dos Profissionais da Educação, dizendo-se surpresa com a postura do prefeito: “o Prefeito sempre dizia nas reuniões periódicas de 2020 com o Fórum Sindical, que as aulas presenciais só poderiam voltar sob as condições estabelecidas pelo Comitê de Contingenciamento do Coronavírus, coordenado e gerenciado pela Secretaria da Saúde; em que a secretária de saúde afirmava que o retorno só seria permitido com a chegada de uma vacina segura e efetiva dos profissionais da educação. O discurso até dezembro de 2020 era esse, de não retorno das aulas presenciais sem a vacina, mas em janeiro de 2021 esse discurso mudou e a secretária anunciou que o trabalho na educação retornaria presencialmente, já em janeiro. Como pode mudar desse jeito sua postura?” 

Segundo Bernadete, o jurídico do SISMAR foi consultado e esclareceu que a greve é legal e legitima, pois reivindica a defesa da vida e a vacina para todos os profissionais de educação. Ainda assim, sempre que possível, os advogados do Sindicato, Dr. Adriano e Dr. Valdir, estão presentes nas assembleias para tirar dúvidas.

 

Adesão

Bernadete afirma que, em um primeiro momento, a maioria dos profissionais da educação “vestiram a camisa” da greve, fazendo manifestações nas redes sociais. No entanto, muitos profissionais não aderiram à greve por medo dos cortes salariais, ainda que os advogados do sindicato tenham explicado que só seria possível perder o salário se o empregador tivesse pedido o julgamento da greve e ela fosse tida como abusiva, ou seja, com justificativas consideradas não suficientes. 

“O mais doloroso, é ver colegas que não só não aderiram a Greve, como aceitaram substituir o posto de trabalho do grevista, quebrando o movimento duas vezes… A greve é um movimento coletivo, porque eu, por exemplo, não estou só me salvando, eu estou salvando a terceiros coletivamente! Isso é revoltante, triste e desagradável… Será que essas pessoas estão cegas, surdas ou anestesiadas? O que leva um profissional que forma opinião, a prestar esse desserviço? Nós ensinamos a consciência do direito e do dever no contexto social, para os estudantes; como esses colegas querem ensinar cidadania se eles não cumprem seu papel no dia a dia, como profissional, cidadão e pessoa? Os professores precisam se unir, mas nós que seguimos em greve, vemos a fala unânime nas assembleias diárias: seguiremos firmes. Afinal, acabar com a greve é abaixar a cabeça para o motivo que a fez começar. A greve é pela vida e sua defesa! Lutamos pensando nas pessoas que estão morrendo de forma desumana: dolorosa, sem contato com a família antes e após a morte e sem direito ao último adeus!” 

 

Prefeito impassível 

Apesar dos pedidos de reunião entre o prefeito e os grevistas desde a primeira semana de greve, demorou uma semana para que tal pedido fosse atendido. Em uma reunião com aproximadamente 1 hora de duração, Edinho foi enfático: Os profissionais da educação devem voltar ao trabalho, e quanto a isso não debateriam. O prefeito usa como argumento o fato de os profissionais da saúde não terem interrompido suas atividades mesmo quando não foram vacinados. 

Segundo Bernadete, a comparação com os profissionais de saúde não se sustenta: “Nosso trabalho não tem comparação alguma com a forma de atuação e preparo dos profissionais de saúde, e além disso até então não havia vacina para ser aplicada. Agora já temos vacina, e mais do que corretamente, os profissionais da saúde foram os primeiros a recebê-la para continuarem suas funções de trabalho. Nós queremos o mesmo, pela vida da comunidade escolar”. 

A comunidade escolar também demonstrou baixa adesão à volta às aulas. Bernadete afirma que dados coletados por sala demonstram que menos de 35% dos alunos retornaram presencialmente: “por exemplo, em uma sala para um total de 21 alunos, no máximo 6 alunos retornaram (28,5% da sala). Isso demonstra que os próprios pais têm consciência do risco que correm. Para contribuir com essa afirmação, em outubro do ano passado, uma pesquisa foi feita, mostrando que 48% dos pais enviariam seus filhos para a escola; dessa porcentagem, apenas 10% realmente enviou seus filhos”. 

 

Vacinação dos profissionais

Até o momento, só foram vacinados, com a primeira dose, profissionais da educação com mais de 47 anos. Isto não dá qualquer garantia de imunização nem mesmo para esse restrito grupo, uma vez que é necessário tomar as duas doses da vacina para tal. Não há previsão para vacinação dos demais profissionais, que representam uma porcentagem expressiva do total. Entre as reivindicações dos grevistas está a vacinação de todos profissionais da educação e condições sanitárias em todas as mais de 60 unidades escolares da rede municipal. 

Essa não é apenas uma questão de Araraquara, mas do Estado de São Paulo, cuja rede de ensino também retornou às aulas presenciais no dia 14 de abril. “É importante apoiar a luta dos grevistas, pois com o aumento dos índices da doença, os hospitais de São Carlos, Araraquara e cidades próximas ficarão cada vez mais lotados”, pontua Olga, que prossegue: 

“Os governantes, municipais, estaduais e federais, não demonstram se importar com a vida da população. Agora mesmo tramita no congresso o projeto de lei PL 5595/2020, que qualifica as aulas presenciais da educação básica e do ensino superior como serviços e atividades essenciais. Ou seja, não importará se estivermos numa pandemia mundial ou numa guerra nuclear, as escolas deverão estar abertas. Tal medida também e principalmente serve para cortar o direito de greve, tentando silenciar a mobilização.” 

“Na hora de forçar a retomada de aulas sem segurança, educação é vista como essencial. Na hora de investimentos, a história é diferente. Deveria ter sido feito investimentos na educação e saúde, por exemplo, começando pela Revogação da Emenda Constitucional 95, a ‘PEC da morte’, que congelou os investimentos em educação e saúde pública por 20 anos!” 

Os grevistas afirmam que cinco escolas, duas de Educação Infantil e três do Ensino Fundamental, já foram fechadas por surto de COVID-19, e o número de infectados divulgado pela ampla mídia, não condiz com a realidade desses profissionais, sendo esse número muito superior: “Na quinta feira da segunda semana pós retorno dos profissionais, sem os alunos, os testes rápidos já indicavam os primeiros infectados, vindo previamente assintomáticos. Com a chegada das crianças, não deu outra, aumentou muito o número de infectados entre alunos e profissionais, aumentando também o risco de contaminar suas famílias”, complementa Bernadete.

No dia 2 de maio, três semanas após o retorno presencial, uma funcionária da educação infantil municipal veio a óbito por COVID-19, deixando toda a comunidade escolar abalada, e demonstrando ainda mais a importância do movimento grevista, além da falta de segurança sanitária no ambiente escolar. 

A realidade em Araraquara não é tão diferente da de São Carlos. Continuaremos a acompanhar as mobilizações na cidade vizinha a fim de frear as ações municipais que, ainda que com discurso diferente, concordam com as ações genocidas propostas pelo governo de Bolsonaro e Dória, assim como os últimos posicionamentos do prefeito de São Carlos Airton Garcia e da Secretaria de Educação Municipal Wanda Hoffman.


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