O Sabor do Saber #5 – Precisamos de boas escolas, não de escolas militares
11/03/2020por Antônio Soares
O único projeto educacional declarado formalmente pelo atual governo federal é o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) – apesar dos cortes na área de educação fazerem parte de uma agenda muito clara, não foram apresentados como parte de um projeto sistematizado. O programa busca aumentar o número de escolas com participação de militares na gestão escolar na parte administrativa e até mesmo pedagógica. No final do ano passado, o prefeito Airton Garcia (ex-PSB, atual PSL), atendendo solitação do vereador Moisés Lezarine (DEM), fez um pedido oficial ao Ministério da Educação (MEC) para que São Carlos participasse do programa, tudo isso após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), garantir a adesão do estado ao PECIM. Ou seja, há interesse por parte dos governantes de instalar uma escola cívico-militar na cidade, mas nós não precisamos disso, precisamos de uma outra coisa.
As principais justificativas para implementação desse modelo são: tais colégios possuem bom desempenho em indicadores, como IDEB e ENEM, sendo uma alternativa que supera a baixa qualidade da educação pública, e a ordem e disciplina interna dariam conta do crescente cenário de violência dentro das escolas. Parte-se, então, da identificação de problemas na educação pública ordinária e coloca-se as escolas cívico-militares como solução. Ainda que os problemas apontados sejam reais, eles não são bem entendidos e, portanto, a solução proposta não é válida. Para começo de conversa, não podemos falar do colégio apenas como um lugar onde pessoas têm aulas, isso seria simplista demais; devemos entender a totalidade da realidade, sendo necessário entender o colégio como o conjunto articulado de sua infraestrutura, sua administração, seu corpo docente, a comunidade atendida etc. Abaixo, foco explicitamente nesses pontos listados, mas há mais questões ligadas a tudo isso.
Esses indicadores educacionais envolvem problemáticas complexas que não serão tratadas aqui, então as críticas cabíveis aos sistemas de avaliações não estarão explícitas no decorrer deste texto, mas perpassa tudo o que está escrito a seguir. A comparação entre as notas do IDEB ou do ENEM de colégios militares e de colégios civis comumente ignora fatores que são de extrema relevância para a análise, produzindo conclusões equivocadas. A primeira coisa importante a ser destacada é a diferença de investimento entre as escolas, que gera um abismo entre a estrutura física e pedagógica de uma e de outra. Sendo o preço médio de um aluno de colégio militar da ordem de três vezes maior que o de um aluno da escola pública comum, segundo o próprio MEC, não deveria ser nenhuma surpresa que o desempenho observado fosse tão díspar.
Outra variável fundamental para o correto dimensionamento das distintas realidades dos dois modelos de escola é o perfil dos alunos que as frequentam. Colégios militares, via de regra, além de ofertar vagas para filhos de oficiais, fazem processos seletivos para atender civis, restringindo o acesso a alunos com bom desempenho acadêmico. Se levarmos em conta também o perfil socioeconômico, uma coisa salta aos olhos: escolas que atendem parcelas mais ricas da população se dão melhores nos indicadores do que as escolas que atendem parcelas mais pobres e escolas cujos alunos possuem, em média, o mesmo perfil socioeconômico tem desempenhos similares. Convém ressaltar que, de forma geral, Institutos Federais fazem seleção dos alunos, possuem boa infraestrutura e chegam a ter desempenhos superiores a colégios militares, mesmo custando menos que estes últimos.
Por último, colégios de periferia estão mergulhados na realidade da periferia, estando em contato direito e mais intenso com problemas sociais, incluindo a violência urbana. E, no mundo de desigualdade em que vivemos, o Estado chega de forma precária nesses ambientes – muitas vezes, o braço armado é o que de mais forte chega. As camadas mais pobres da população, o grosso dos trabalhadores assalariados e desempregados, têm acesso reduzido a saúde, cultura, lazer e até alimentação. Jovens que precisam trabalhar para ajudar a manter a família constituem parte expressiva desses alunos e merecem atenção especial. Ao trazer isso para a investigação, completamos as diferenças já colocadas em parágrafos anteriores e chegamos no ponto da violência presente nas escolas públicas. Esse fenômeno só pode ser bem compreendido a partir do contexto em que se desenvolve, que é o da desigualdade social. Sendo assim, a militarização dos espaços em que isso ocorre não é a solução, pois o problema reside em outro lugar.
O que fazer, então? Temos que cobrar uma outra política educacional dos nossos governantes, que seja consonante com políticas sociais voltadas para a gradual eliminação das desigualdades sociais; precisamos de infraestrutura, corpo docente bem preparado para lidar concretamente com os problemas coletivos e individuais dos alunos, uma administração que ponha em prática programas de assistência estudantil e de maior participação da comunidade atendida no ambiente escolar; em suma, precisamos de boas escolas, não de escolas militares.
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